29. Que fazer a este bloco de notas?
Quem diria! Este pequeno caderno de notas com linhas, quase a chegar ao fim, foi comprado na altura do primeiro soco, vai fazer quatro anos, para anotar as minhas receitas culinárias.
Receitas para os meus filhos. Até tenho vergonha do polvo que tentei fazer. Foi uma catástrofe.
Longe estaria eu então de pensar, depois da nova oportunidade a seguir ao primeiro soco, que este mesmo caderno voltasse a servir já em pleno segundo soco, não para registar receitas, mas para escrever crónicas sobre este novo período de brasa.
Pergunto-me, já me fiz esta pergunta várias vezes nestes últimos quatro meses, por que razão não o atirei ao lixo? Como fiz a tantas coisas do primeiro soco. Mistérios. As coisas que o destino destina.
Esteve aquele tempo todo, entre os dois socos, num canto de uma gaveta, depois veio comigo para o museu, aí escrevi o primeiro texto, um texto que me pediram para a televisão, dias apenas passados do segundo soco. Saiu-me bem. Saiu na televisão. Não o li. Agora está comigo na segunda viagem, primeira ao estrangeiro, após o segundo soco.
Ao pequeno-almoço no comboio, no regresso de Roma a Paris, caiu-lhe em cima o primeiro café com leite do dia.
Resistiu. Continua a servir. Agora que chega ao fim, devo-o atirar ao lixo? Ou conservá-lo?
Acho que por tudo o que passou, merece bem que eu o guarde.
Gisors, 12 de Julho de 2010
(passado num café de Evreux)