MURAIS DO FUTURO (com áudio)
Na maternidade onde tive o prazer de conhecer, no último sábado, a minha netinha Rafaela há, nas paredes uns três ou quatro murais de fotografias de crianças nascidas naquele local.
Como o papel de avó, nessas ocasiões, é somente o de coadjuvante angustiada tive tempo suficiente para admirar todos aqueles seres fofinhos, com comentários mentais, tipo: “Ai, que coisinha linda essa aqui!”, ou: “E este, então, que tchutchuquinho! “
Alguns portam trajes especiais para fotos de estúdio, outros com a pompa das formaturas do prezinho, ou do balé, ou do kung Fu, mas a maioria é mesmo a dos bebês in natura, peladinhos, com seus fartos sorrisos gengivais, na mais autêntica representação humana da Esperança.
Uma dessas crianças me chamou a atenção pelo vestidinho de estilo sóbrio, de cor escura e gola branca de babado, cabelos médios levemente ondulados e bem penteados, sentadinha com as mãos sobre o colo, com ares de quem já se vê (ou de quem já a vê) portadora de grande intelecto. – Eis aí, talvez, uma futura brilhante literata – pensei comigo.
No instante seguinte, meu olhar já recomeçava a percorrer os peladinhos, já os imaginando adultos, em suas respectivas aptidões.
Como há umas 150 crianças em cada um daqueles murais, estatisticamente algumas delas serão profissionais bem sucedidas:- Qual destes bebês será o meu geriatra? Qual será o campeão de qual esporte? Qual o ídolo da minha netinha que acabou de nascer? (Ou qual será o seu maior fã?) Qual destes, o grande cientista rondoniense a nos encher de orgulho?
- Qual destes sairá do Brasil à procura de melhores oportunidades? Qual terá as melhores oportunidades? Quais os que ficarão pelo caminho no sonho do sucesso?
(Parênteses nesses “quais” para revelar que na cabeça de toda avó surgem às vezes nuvens negras, sobretudo nas que acreditam em estatísticas).
- Qual destes frágeis passarinhos não chegará a voar? Qual morrerá ainda criança, de vírus, acidentes ou balas perdidas? Qual será abandonado, espancado, estuprado?
- Qual será o assassino? – Meu Deus! Qual destes bebês à minha frente, estatisticamente, será um assassino? São todos iguais, todos peladinhos, de sorrisos gengivais! Onde estaremos nós, quando este, que nem sei qual, crescerá e matará? Ou matará, antes de crescer. Onde estamos nós enquanto ainda são iguais, nos murais de uma maternidade?
(Parênteses novamente nestes “quais” para dizer que toda avó deixa qualquer outro pensamento quando ouve lá do quarto, um chorinho de bebê, sobretudo quando o bebê for a sua netinha querida).
- Em qual cantinho deste mural será colocada a foto da Rafaela?