ENROLAÇÃO: OUTRA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

ENROLAÇÃO: OUTRA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

É comum professor reclamar de seus alunos! Professor é uma raça sempre insatisfeita! Pergunta, pergunta, pergunta... E nunca, nunca se satisfaz com a resposta! Quanto mais as crianças dão de si, mais eles querem. Insaciáveis, insaciáveis! E as crianças e adolescentes, que não dão nada mesmo, acham que dão muito. E todos reclamam. Mas os professores reclamam mais: “essa juventude não estuda mais!”, “no meu tempo era tudo diferente!”, “há muita facilidade hoje!” “tudo eles tiram da internet, copiam e colam, não lêem nada!” e outros reclamos. Nas salas dos professores há comentários mais fortes até, mas não convém colocá-los aqui.

Gozado! Nunca vi professor elogiar aluno criativo quando a criatividade pende para a malandragem mesmo! Mas malandragem no sentido carioca antigo, aquela malandragem que não prejudica ninguém. E há muitos alunos criativos nesse sentido, principalmente em provas. Você pergunta sobre pipoca e ele responde sobre amendoim! Nada com nada vezes nada igual a nada!

São os enroladores!, os partidários de que não se deve deixar pergunta sem resposta! Sabe como é, às vezes o mestre dá uma olhadela básica e ele ganha alguns pontinhos. E atualmente nem se pode dizer que esse tipo esteja errado: a própria FUVEST recomenda que, quando o aluno não sabe a resposta,... simplesmente chute. Portanto, se é uma determinação oficial, por que não enrolar, enrolar?! E há histórias de alunos que enrolaram, o professor leu só o início da resposta, achou que o resto seguiria na mesma linha e cravou um notão. Sorte do aproveitador. Levou vantagem!

Mas há enrolação e enrolação! Há criatividade e criatividade! Estou falando disso porque um amigo, professor também, mandou-me alguns exemplos impagáveis de enrolação. Confesso que eu relutaria em não dar dez para um aluno capaz de dar tantos volteios e dizer só besteiras, não dizer nada, mas com a simpatia dos malandros! Certos alunos, em dia de prova, devem ir de sapato bicolorido, à semelhança da malandragem da velha guarda!

Vejamos alguns casos brilhantes e depois você, leitor, decide comigo se o espertinho não merecia o troféu da arte do nada dizer.

Pergunta de uma prova para aluno da segunda série do Ensino Médio: Os fungos são bastante úteis, mas também são muitas vezes nocivos aos interesses humanos. Cite e justifique dois aspectos positivos e negativos sobre a importância dos fungos.

Resposta do espevitado: “Os fungos são realmente bastante nocivos aos interesses humanos. Fungando, uma pessoa pode estar inalando milhões e milhões de vírus e bactérias do ambiente em que se respira. Mas há também a utilidade. Uma boa fungada pode retirar aquele catarro preso na garganta, sendo que quanto maior o som emitido pela fungada maior é sua eficiência e precisão na retirada daquela indesejada substância. Há quem diga que fungar é porcaria, mas pesquisas científicas revelam que, além de serem métodos eficientes, as fungadas fazem parte do dia a dia das pessoas em todo o mundo. É como diz a famosa frase: aquele que nunca deu uma fungada que atire a primeira pedra.”

Nota atribuída à resposta: zero!! Que injustiça do mestre!! Não levou em consideração a boa estrutura da frase, a interdisciplinaridade: português, biologia, história, religião, só pra citar algumas. E o mestre também não levou em consideração que o aluno se baseou em fatos incontestáveis para justificar sua resposta: pesquisas científicas. E o espertinho encerra com chave de ouro: usa um brilhante argumento de autoridade, citando a Bíblia: “... aquele que nunca deu uma fungada que atire a primeira pedra”! Aluno brilhante! Vagabundo (no melhor bom sentido, se é que existe!), mas... brilhante! Nota 10 de malandragem!

Outra pergunta para aluno da mesma série: Todas as células, a partir da célula que sofre a mutação, são anômalas? Justifique sua resposta.

Resposta do outro brilhante: “Não, porque umas são anômalas e outras não. Se algumas células são anômalas e outras não são, conclui-se que nem todas são anômalas, já que não são todas que apresentam anomalia. Se não são todas que apresentam anomalia, não se pode dizer que todas são anômalas. E vice-versa.”

Avaliação atribuída pelo mestre ou pela mestra a essa resposta: meio certo!!!! Valeu ou não a enrolação!? Ele(a) levou em conta a boa estruturação da frase, a coesão e a coerência e, com certeza, o nível de argumentação, pífio, mas pelo menos argumentou! Afinal, se não são todos que tiram dez, não se pode dizer que todos são alunos nota dez. E vice-versa!

Mais um pergunta, agora da minha área: Nessa situação, Brás Cubas confessou que tinha passado pelas mesmas sensações pelas quais passou na época do emplasto. Que sensações são essas alimentadas pelo nosso protagonista?

Resposta do elemento: “Seriam sensações boas? Sensações ruins? QUE SENSAÇÕES SERIAM ESSAS? OH, DEUS, EU ME PERGUNTO!”

A professora, ou professor, perdeu o fôlego e não atribuiu nenhum conceito a essa resposta. E nem ouso comentar nada após o desabafo da própria professora (pra ter essa sensibilidade, deve ter sido uma professora!): “Eu mereço! Estou tendo uma sensação tão ruim ao começar a correção dessa prova...”

Nem vamos vasculhar pra encontrar outras pérolas modernas. Essas três já nos dão a dimensão de uma realidade. E, como professor, acrescento: de uma triste e contraditoriamente risível realidade. Mas, como tem acontecido ao correr dos séculos, tudo se ajeita e o mundo evolui, porque há sempre algum país mais esperto e recebe suas benesses pela garantia do progresso da humanidade. E nós, professores, continuaremos com nossa insatisfação com as respostas, as boas respostas, porque a insatisfação obriga a melhorar.

Leo Ricino

Novembro de 2004

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 02/01/2011
Código do texto: T2704324