A última crônica

     Talvez você esteja lendo minha última crônica nesta década, a primeira deste milênio.
     Digo talvez porque o cronista não pára. Não tem folga. Posto que, cabe-lhe, atento ao tempo e às circunstâncias, registrar o que está acontecendo no seu di-a-dia, ao seu derredor, aqui, ali, acolá. 
     Cabe-lhe pegar da pena e comunicar, fazendo-o, de preferência, com simplicidade e ternura.
     Álvaro Moreyra diz, e muito bem, que a crônica "É uma comunicação. Com um pouco de poesia e um pouco de graça. Em traje de esporte. Dá bom-dia, dá boa-tarde e boa noite".
     Assim fizeram os monstros sagrados da crônica - Machado, Alencar, Rachel, Rubem Braga, Pongette, Drummond, Cecília Meireles, Nelson Rodrigues, entre outros; assim fazem os cronistas de hoje, entre eles, Rubem Alves,  Arnaldo Jabor, Carlos Heitor Cony, João Ubaldo Ribeiro, Ruy Castro, Luiz Fernando Veríssimo e Affonso Romano de Sant´Ana.
     Claro que há outros cronistas maravilhosos por este Brasil afora. Não preciso nomeá-los. Nenhum deles carece de divulgação. Suas colunas são visitadas, diariamente, por centenas de leitores que reconhecem e proclamam o valor de cada um.
     Costumo dizer, que neste sufoco em que nos vemos cada vez mais mergulhados, ler uma boa crônica, é bom demais. Elas funcionam como "uma conversa rápida, como no telefone" na feliz comparação de Álvaro Moreyra.
     Como não sei escrever com poesia e graça, tenho me esforçado para dar às minhas crônicas suavidade e blandície. Raramente lhes dou um sabor azedo.
     Por exemplo: velho passarinheiro, sempre descubro, nos passarins, a inspiração que preciso para uma crônica descontraída.
     Já escrevi sobre os periquitos que, ao cair da tarde, cortam, em voos rasantes, o céu da Pituba; e dediquei uma extensa página aos pombos que brincam, o dia todo, na pracinha aqui ao lado.
     São dois espetáculos enternecedores. Só vendo!
     Agora, são as rolinhas que daqui vejo brincando à toa, no jardim do meu prédio. Caminho entre elas, cheio de recordações.
     Quando eu era menino - ai como ainda me lembro! - rolinhas caldo-de-feijão e rolinhas cascavel procuravam o terreiro de minha casa matuta, e faziam seus ninhos nos galhos do pau d´arco que meu pai, numa dessas longas e brabas estiagens cearenses, plantara "para dar sombra".
     Jamais usei meu estilingue para abatê-las. Todas as manhãs lhes enchia o papo com um bom alpiste e molhava seus bicos com água cristalina tirada do pote de barro que a brisa da madrugada se encarregava de refrescar.
     Vendo o vaivém das rolinhas do meu jardim, nesta tarde movimentada de fim de ano, lembrei-me de Olegário Mariano.
     Num "Alô!"  que deu a Álvaro Moreyra, o poeta das cigarras disse: "...sozinho no meu quarto. Olhava o céu. Uma andorinha ia e vinha pelo céu. Fiz estes versos."

                  Canção Triste
     O vento é manso, a tarde é calma.
     Chora uma fonte...Que haverá pela minh´alma?

     Há pouco, o meu perdido olhar
     Sem ânsia, sem desejo,
     Vagamente se pôs a acompanhar
     No espaço azul a desvairada linha 
     Que uma andorinha abriu no espaço...
     Tão triste e tão sozinha! 

     - Se ela voltasse! Foi tão nervosoo seu beijo!
     Tão doloroso o seu abraço...

     Que saudade me trouxe esta andorinha!

     Fosse eu um poeta, e estaria, agora, me despedindo de 2010 com versos cantando a alegria e a inocência das rolinhas do meu jardim, mensageiras de tão boas lembranças. 
     Como a andorinha do Olegário, quanta saudade elas me trazem, no limiar de mais uma década...
     
   
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 30/12/2010
Reeditado em 16/12/2019
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