Inverno de 2006

O sol tem-se esquivado de dar as caras por aqui. É uma cidade diferente, esta Brasília sem sol, de noites frias e secas. Remonta à época de sua ocupação primeira, cerrada e distante dos homens. As almas que povoam suas quadras e avenidas, ruas e comércios, revestem-se de roupas bissextas e ressabiadas, ainda sonolentas depois de uma súbita interrupção de sua hibernação embutida nos armários.

O clima é de Copa do Mundo, outro evento estranho que tumultua a vida quotidiana, que pinta rostos e incita a debates e manifestações patrióticas. A frustração de brasileiros torcedores é também diferente, muito menos de tristeza e mais de indignação por uma eliminação passiva de um time que não atuou como tal.

A desilusão política anuncia um tempo de rancor, de ceticismo, de desesperança. Os discursos sempre iguais de candidatos sempre iguais começam a tornarem-se inaudíveis, ladainha da miséria humana confrontada com a necessidade de fazer escolhas.

Um tempo assim estranho, diferente, emoldura sensações ambíguas, contraditórias. O frio da sombra desafia o conforto dos raios do meio-dia. As amizades eternas mantêm-se distantes, romances recentes brincam de esconde-esconde, o amor maior insiste em fugir do seu tamanho. Novas caras surgem com traços borrados, dentro de bolhas de proteção, dentro de películas automotivas, nos semáforos, nos bares, nos jardins das quadras.

É uma cidade diferente, esta Brasília de descobertas, de misturas, de prepotências e distanciamentos. A cidade jardim, que também é concreta, que também é moderna, abriga dores arraigadas, sufoca queixas infinitas, engolfa soluços amedrontados, seda paixões improváveis.

É triste esta cidade diferente, tristes seus habitantes.

Todo inverno é uma prova de fogo.