CRÔNICA DE VIAGEM À TERRA DE CERVANTES
Providenciei documentos de toda sorte, inclusive assinado um deles pelo competente juiz de direito, para levar meu neto (14 anos de idade) à cidade de Madrid com o propósito de conhecer o irmão espanhol e visitar a mãe, minha primogênita, de quem está afastado há cerca de dois anos.
Depois de intensa movimentação, conforme podem os documentos atestar, tanto aqui, no Brasil, quanto em Madri, (compradas as passagens de ida e volta para mim e para o meu neto e feitas algumas economias) _seguimos para a cidade de Salvador/ Bahia para o voo sonhado.
Ao desembarcarmos no Terminal 1 do Aeroporto de Barajas, entramos para uma das filas dos birôs da Polícia Federal Espanhola. Um jovem policial, ao olhar e imediatamente abrir os dois documentos, foi fazendo perguntas para as quais pouco tempo me deu pra responder devidamente a cada uma _mesmo tendo já identificado o passaporte brasileiro e sem saber se eu entendia ou responderia algo em espanhol.
Tentei responder-lhe às perguntas e, sem que me prestasse a devida atenção, o policial disse algo como: “muy extraño” e, em seguida, se levantou e me ordenou que o seguisse _ o que fiz levando meu neto por onde se movimentava o policial.
Daí em diante, subindo e descendo escadas, entrando em elevadores, chegamos a uma sala onde ficamos disponíveis. Veio outro funcionário da Polícia Federal (um senhor de corpo esbelto, cabelos grisalhos), acompanhado de uma sua colega (uma moça de média estatura, de cabelos em tamanho médio e tingidos de um tom avermelhado). Refiro-me ás características físicas por haver tudo ocorrido de maneira surpreendente e veloz e, sendo assim, não pude atinar para identificar seus nomes.
Fomos, eu e meu neto, conduzidos a uma saleta sem saber exatamente sob quais objetivos ali estaríamos. Imediatamente os dois funcionários, sorrindo como se tentassem passar confiança e formal cordialidade, ficaram postados por trás de um pequeno balcão de atendimento a quem ali com eles estivesse. Estávamos apenas nós 4 (quatro): os dois funcionários em questão, eu e meu neto.
Como havia prateleiras nas paredes e me foi solicitada a bolsa, julguei que fosse para apenas guardá-la. Entreguei imediatamente a bolsa e uma pasta cheia de documentos.
A seguir, os dois funcionários disseram cada um de sua vez algo assim: USTEDS NO ESTAN DETENIDOS. SI? LA SEÑORA NO ESTÁ DETENIDA. SI? NADA. SI?
E abriram a bolsa de onde retiravam tudo o que encontravam, fazendo a verificação: cigarros, isqueiro, bolsa com documentação pessoal, um batom e um colírio de uso obrigatório para mim (ALPHAGAM). Os objetos foram colocados em uma sacola plástica preta.
Permaneceu comigo a bolsa, a pasta com os documentos e a carteira contendo documentos menores e o dinheiro exigido, só que em espécie brasileira (reais).
Convém frisar que deixei procuração de amplos poderes para a minha nora gerenciar a minha conta bancária, pois, se fosse o caso, eu seguiria os protocolos legais para permanecer em Madri até o Natal. Assim a minha nora poderia me enviar mais, conforme a necessidade. Eu não saberia quais as minhas reações ao inverno espanhol e sou avessa ao frio. Portanto, não seria de muita esperança permanecer na Espanha durante tal período. Igualmente é interessante colocar que o meu neto, é portador de alergia respiratória.
Então, e retornando à deprimente cena para uma mulher de 62 anos e um jovem de 14, passamos a ser revistados conforme o conhecido modelo policial. O senhor, funcionário da Polícia Federal, examinava o corpo do meu neto e a moça examinou-me apalpando normalmente desde os meus ombros até as pernas. Foi aí que lhe perguntei se gostaria que eu retirasse as botas. Não aceitou. Acredito que ela tenha se sentido mal em me exigir tal gesto, dando-se por satisfeita. Em um determinado momento dirigiu-se ao colega perguntando se faria a verificação em uma criança de 14 anos de idade _ ao que esse senhor respondeu: “E que tem que ele tenha 14 anos de idade?”.
Inclusive friso que o meu neto saberá dizer em espanhol claudicante as frases que ouviu.
Aproveito esta parte da crônica de viagem para incluir que considero necessária uma avaliação psicológica do pré-adolescente por haver vivenciado tal momento. Não havia psicólogos acompanhando as crianças que lá estiveram, na mesma data, junto com seus pais também barrados.
Depois da revista policial, fomos avisados de que deveríamos ficar em uma sala maior onde esperaríamos por uma entrevista após a qual seríamos ou não admitidos. Acreditei e ali fiquei esperançosa, pois, estava absolutamente correta, com a documentação na pasta. Fui também avisada de que teria à minha disposição um advogado por parte do governo espanhol e uma intérprete.
Enquanto isto minha filha, mãe de um espanhol menor de dois anos de idade, acompanhada de amigos espanhois e do meio irmão de meu neto, nascido em Madri, esperavam em vão do outro lado, por onde eu deveria surgir. Depois de, desconfiados do que ocorrera e, confirmada a situação, logo procuraram um advogado particular. Perguntei por mais de uma vez ao funcionário já aludido e a resposta foi sempre NO. NO PUEDE! E tive para me defender, um advogado espanhol e que não fala o português. Segundo o que está no site de consulados, teria sim, direito a advogado particular e este foi contratado pelos amigos e o meu genro. Acerca disto não saberia relatar, pois só poderia me comunicar por telefone e havia muitos outros detidos falando com os seus familiares. Um cartão de ligações custa 5 euros. Há também à disposição, uma máquina automática de refrigerantes e outra de café.
As refeições básicas foram servidas e a qualidade foi sempre questionada pelos que lá estavam também à espera da entrevista.
Fui entrevistada pela tarde na presença de meu neto, que boquiaberto olhava, ao meu lado, o interrogatório assistido pelo que fora escolhido ser o meu advogado, um espanhol. O chefe do serviço policial, um jovem policial fazia as perguntas de forma rápida e também sem dar espaço para as respostas, até mesmo para a senhora intérprete.
A impressão que me passou foi a de que o chefe já saberia o final daquilo tudo e continuava digitando no ordenador. Em determinado momento e um tanto impaciente me perguntou pelo dinheiro: TIENES DINERO? DINERO? PRESENTALO. Retirei da bolsa as notas e perguntei se eu contaria ou se ele mesmo o faria. Assim, segurou o calhamaço de notas e as contou rapidamente. Devolveu-me imediatamente. Perguntou sobre o extrato bancário e o cartão de crédito. Além de entregar-lhe o solicitado, ofereci também o contracheque de professora. E o policial perguntava à intérprete quanto seria o equivalente em euros. A senhora, parecendo preocupada com o vexame pelo qual eu passava perante meu neto diante daquele birô policial fez questão de dizer que ali era apenas uma intérprete. A gentileza da senhora me pareceu como se de mim se desculpasse, pois é brasileira nascida no Rio de Janeiro, conforme a mesma me informou.
O meu advogado do governo espanhol folheava os documentos e me perguntou se eu entenderia o que ele falava em castelhano. Depois, tomando da sua caneta dourada, assinou a minha denegação. Tudo isto de um sopro. Retornei com a documentação, uma cópia minha; outra de meu neto e a determinação de que retornaríamos ao local de onde partimos.
Permanecemos nos alojamentos da Polícia Federal no aeroporto sobre os quais evitarei comentar tão bem descrito foi por outros que lá estiveram e deixaram suas reclamações espalhadas pela Internet. Dormimos abraçados, eu e meu neto, sob os cobertores espanhois naquela que foi a sua primeira noite em terras madrilenhas.
Houve outra passagem digna de nota e de repulsa. Foi a de quando eu e um companheiro de alojamento, um baiano capoeirista, nos dirigimos ao senhor de cabelos grisalhos e a outro rapaz devidamente fardado de policial. Foi aí que o senhor, rindo, dizia enquanto nos mostrava ao colega: COMO VOCÊS DOIS SE PARECEM, PARECEM IRMÃOS (talvez, nos pareceu, pelo tom de irreverência e galhofa, que fazia menção à cor morena da nossa pele).
Veio a partida dolorida e escoltada por policiais federais espanhois sem que tivéssemos avistados os nossos parentes em Madri e à mãe de Matheus foi negado o direito de ver o filho de quem está distante há cerca de dois anos. Chorava, ao meu lado, o filho impedido de avistar a figura sonhada da mãe.
Chegamos ao Brasil, vestidos nas mesmas roupas com que seguimos em direção a um sonho.
Eu, particularmente, e do ponto de vista subjetivo e amoroso, de mãe e de avó, considero que este evento é deprimente, constrangedor, desumano, cruel e nada que se faça, pode alterar o mal que foi feito a minha família inteira e, ainda, socialmente, por nem saber como defender ou justificar este lamentável ocorrido em um país que, mesmo antes de conhecer, eu amava.
Acrescento a este relatório os links nos quais poderão ler, entre outras, minhas declarações de amor à ESPANHA:
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1198884 (este o meu mais lido poema)
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/659170 (escrito em língua espanhola)
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/661739
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2339890
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/750996
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2398430
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1812088
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2417125
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2412994
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2203676
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2425002
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/751772
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2213671 (dedicado à Gláucia, minha primogênita, mãe de um espanhol, meu neto).
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2384367
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1924195
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2288302
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1927794
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1155752
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2120716
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2452479
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/2409462
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1971776
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1946330
http://www.recantodasletras.com.br/poesias/1868870 (ao meu neto espanhol que não me permitiram ver)
E, acrescento a esta página, que, minha alma de poeta, sente nojo só de pensar em fazer uma relação de gastos materiais para uma indenização financeira que pouco diz de importante.
Conste deste texto que também as bagagens não foram recebidas no aeroporto de Salvador.
Sinto-me infinitamente ofendida e traumatizada e me pergunto onde encontrarei forças para um dia retornar à Espanha.
Sei que o povo espanhol não pode ser responsabilizado por tais coisas e, coloco nas mãos dos espanhois que sofreram a vergonha e a humilhação que passei, o meu coração e a minha alma.
Aracaju, 3 de dezembro de 2010
Professora Tânia Maria da Conceição Meneses Silva