Resmungando_**Meus direitos**_

Resmungando

"Meus direitos"

Quero ter meus direitos. Quero ter mais, muito mais. À vida deste-me ares, luares, sonhos, riquezas d´alma, passagens tão passageiras, excitantes, sedutoras, mas tão ligeiras... Deste-me vida delirante de amores, que sufoco ainda em sentir como ficaram gravados em meu coração, fazendo parte ainda das minhas recordações. Em foco de um palco maravilhoso do teatro da minha vida, deste-me mais que eu desejei, que aquilo que sempre esperei, que limitei nas minhas divagações, pois não havia intentado o que receberia depois.

Foram tantos cenários de luz e cor, de abraços que cingiram minh´alma com promessas enlouquecedoras de tão sedutoras, embriagadoras. Mas agora, depois de um outono franzino, de cãs envelhecidas de tantas rugas que me indicaram o quanto de folhas foram caindo e eu nem estava pecebendo. Cairam folhas de vida intensa de amores e de muitas dores, mas passei nesta provação de ver ruindo minha vida de então. Passaram e ainda estão no chão jogadas e amarelecidas.

Minhas flores despetalavam, descoloriam, rindo do meu não perceber que os anos passam e deixam suas marcas pra valer. De verões nem se fala. Foram muito calorosos e coloridos, que tingiram meus anos de adolescente com cores e matizes tão acentuados que não conseguia ver se era verdade ou ilusão. Estava no início de minha juventude, cabeça iludida, repleta de muitos almejares, de muitas virtudes que me faziam ser ave passarinheira, voando aqui e pousando acolá com trinados a assoviar sem parar.

Era minha mocidade cantante, era um sonho a sonhar e nunca, mas nunca acordar de versejar em meu me embriagar de ditosos anseios que, na idade que tinha me envolviam em promessas de cantos cantados à beça. Os cânticos tão gostosos de se ouvir e eu me punha a meditar, eu me me povoava em meu viver, meu maravilhoso querer, querer e só ter o que me desse prazer...

Na andança dos anos passando, na minha primavera de flores, de todas as cores eu me erguia vitoriosa, como abelha sugando as rosas, de macias promessas que me anteviam cheia de meus amores. Se pedras rolam na estrada, porque não rolariam pra mim? Rolaram muitas tantas que se as tivesse contadas seriam outro mundo a construir, a me reeleger em dona do só saber e do eterno sobreviver.

Já agora de amores de mulher adulta, fremente inenarráveis ilusões em ser rainha de um só coração. Mas esse coração veio doendo, minhas palavras emudecendo, meus sonhares acordando, dando lições que aprendi perplexa, pois não era o que antevira. Foram cascalhos de imaginações, de sonhos como de muitos verões que viriam me aquecer, me dado esperanças de ver tal qual uma jangada, balançando nos mares das ondas dos seus cantares, balançando aqui, ali e além das imaginações, das rimas de seus luares os meus eternos encatares

Estou delirantemente revolvendo e revivendo meus castelos, minhas eternas janelas que de tanto me debruçar nelas, marcaram meus ficares, minhas esperanças dos tantos luares que, jogando versos, me conduziriam a mais sonhares. Fui pulando nas minhas imaginações de estações de vida, sem seqüências, só no desfilar de palavras de minha mente já cansada de tantos altos e baixos, que se transformariam e marcariam, como marcaram meus novelos de recordações. Estão enrodilhados agora ao sabor dessas lembranças avulsas e descompromissadas que me atropelam em desalinho e me desafiam ainda a viver essa jornada já prestes a se findar pra fenecer.

Eis que o meu inverno surgiu, me estuprando o que de tão sutil ainda estava restando, nesses frios entorpecimentos de rolagens de vida. Foram os sonhos desaparecendo, as verdades me acometendo, jogando-me ao rés do chão. Já nem brilham mais meus olhares, são frios, gelados meus pensares, não aglutinando mais a vida que, em desespero ainda, me faz ficar, ficar para esperar o que resta ainda para passar, para me ajudar a caminhar e capengar com pernas já fracas, titubeantes ao se agitarem.

Serão passagens estreitinhas, serão cabides de só velhinha, que guardo em armários de ares ainda a respirar, ainda sem mais noção do que devo querer ou não. Meus arquivos abarrotados de tanta água escorrida, de uma tal papelada que fizeram meu olhos chorar, de também um rictus dos meus lábios a sorrir, a gargalhar de pequeninas coisas que vieram pra me alegrar. Foram passageiras que nem elegantes rasteiras que me fazem desequilibrar de tanto não querer agora tombar, ao me agarrar ainda nas coisas pequenininhas restantes a vir, a me contaminar. De que? Nem posso desconfiar.

Serão como no ouro querer, na bateia encontrar, filetes de passados dourados, de sonhos enganadores, de vidas pingando anos sem cessar, mas passando sem parar, sem respingar mais esperanças, de voltar a ser a criança das memórias que ora me cobrem e me entorpecem.

Agora, em vívidas desilusões, quero ter meus direitos de poder ficar sozinha no meu pensar, no meu ouvir sabiás, à moda que sempre gostei de escutar. Quero poder me desanuviar, quero poder ficar à mercê do que virá, quero estar e ser velha mesmo, uma anciã ainda para poder me realizar sem me tornar doida de tanto pensar em ter que me transformar. Não quero ter mais obrigações, quero ficar numa vagabundagem infernal, sem cobranças, sem licenças para existir, sem nada terem que me exigir...

Ficar no ostracismo de minha vida, agora quero estar, sem ninguém a me perturbar, a me entristecer. Já nem tenho mais forças para lutar. Esgotaram-se minhas vontades e capacidades de tentar resolver as coisas vindas de outros mundos, cheios de pessoas pra todos os lados, em ípsilons ásperos que me arranham com palavras e modos tão diferentes dos meus pensares a agires, que me fazem sofrer ainda.

Quero meus direitos, pois os tenho pelas labutas sofridas, pelos passados escorridos, pelas mudanças de humores que me castigam em dissabores. Quero me envolver nos sonhos de uma velhinha que, de tão boa e corretinha, dos meus deveres já cumpridos, que quero me acampar nas paisagens ensolaraladas ou enluaradas, que ainda me permitem recostar e sonhar em meus sonhos até a hora de arribar, hora de meus pecados ter que pagar.

Que eu vá com ares tranqüilos, com a paz inocente de uma campeã dos ringues da minha vida até então... Mas que vá com meus poemas encadernados, ilustrados pelas minhas palavras, minhas rimas, meus anseios que lá ficaram e se eternizarão em futuros soltos ao vento, com muito de meu amor lá estarão.

Myriam Peres

Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2006

Myriam Peres
Enviado por Myriam Peres em 14/10/2006
Código do texto: T264129