Dos pânicos urbanos de cada dia

Primeiro, os vizinhos se mudaram. Depois a notícia – a casa foi vendida e a vista do horizonte mais uma vez será transformada: construirão um pequeno prédio. No final de agosto, meu filho fotografou a lateral da casa que durante 30 anos foi sua vista de horizonte e do sol que lhe chegava às tardes. Muitas pessoas viveram nesta casa, desde famílias a empresas, e vivemos muito de suas vidas. Durante a retirada do que ainda podia valer algum dinheiro, os amigos do alheio começaram a chegar e carregar o que podiam até de dia. Dias após, os novos donos mandaram derrubar a casa.

Foi quando começaram os problemas. Lembrou-me “No caminho, com Maiakovski”, do poeta Eduardo Alves da Costa. Talvez porque a construtora, sem um pingo de sensibilidade ou consideração com a vizinhança, deixou o lote aberto ao deus-dará. Em consequência, ficamos também ao deus-dará, à mercê dos indesejados. Da janela via pessoas entrarem para fazer ‘vistorias’ ou suas necessidades. A cerca elétrica do outro vizinho foi cortada. Com as reclamações puseram um madeirame qualquer, e o portão, várias arrebentado, foi consertado pelo meu marido. Aí tiraram o portão e fecharam tudo. Aqueles amigos do alheio vieram e foram levando as placas do madeirame. Ah, sim, puseram também uma placa com o nome e dados da construtora, como se isso bastasse para afastar qualquer intruso.

Quando nada mais havia no lote que se lhes pudesse interessar, aqueles os amigos do alheio decidiram visitar os vizinhos. Aí me levaram um botijão de gás cheio. Telefonei para a construtora, que já tinha ouvido reclamações e mais reclamações, e ficaram de fechar o lote, colocar uma aramada de segurança, a tal de concertina, nome de instrumento musical, que certamente nem parece com guinchos dos que nela se aventuram. Mas não vieram.

Assim, no outro dia, as samambaias choronas e a maioria das orquídeas mudaram de dono. Não tenho mais nada no quintal que possa interessar. Coloquei uma corrente no outro bujão de gás e para levá-lo terão de derrubar parte da casa, ou explodir a corrente – que é grossa, e correr o risco de explodir o bujão e ele mesmo. De muito reclamar, vieram e fecharam o lote, com a mesma falta de qualidade. Sem a tal aramada ouriço. Quer dizer não querem investir na segurança dos vizinhos, pois moro aqui há trinta anos, e o único ladrão que entrou foi pelo portão da frente, por que alguém o deixou aberto. Também não se responsabilizam por esta insegurança, pois sabem pedir educadamente desculpas pelo transtorno, fazer promessas, mas não resolvem nada. Decidimos colocar a tal cerca ouriço também, mas com feriados, nada funciona.

E nesta noite entraram de novo e levaram uma churrasqueira velha e enferrujada que servia mais como depósito de vasos vazios e pratos de plantas e o resto das orquídeas. Aí fiquei pensando, do primeiro furto, dia 09 deste, que deveria ter feito um BO na à Polícia Militar. E não fiz. Da segunda vez, também, não. Esta é a terceira, se tivesse três BOs para pressionar a construtora seria mais negócio. Mas não os tenho. Vou tentar fazer um hoje. Veremos se consigo. Para registrar fatos legalmente preciso de fazer isso. Bom, pelo menos, alguém me escutará e enxergará longe o que conjetura tais atos.

Esse tipo de amigos do alheio quando e se vão presos, nós, com os impostos que nos recolhem, pagamos seu sustento de recluso e pagamos seu salário de recluso, se têm dependentes. Isso sem contarmos com possíveis retaliações. Na prática, este mundo é sem sentido. Quem trabalha paga de alguma forma por trabalhar e respeitar o próximo.

Uma vez que o entorno da casa já está limpo, penso que o amigo do alheio tentará a sorte de entrar na minha casa para levar algo. Se depararmos com alguém, corremos até risco de morte.

Não tenho um cachorro para expor ao risco de me proteger, e por mais trágico e ridículo que pareça, aconselham-me a comprar uma arma, aprender a manejá-la e criar coragem para enfrentar um reles que colocar em risco a vida, o bem mais importante e frágil que têm os que trabalham e pensam no futuro e conquistam os cobiçados bens materiais. Não sei, não... É de meter medo, que na minha idade tenha de enfrentar esse tipo de problema para sobreviver. Daí a questão dos BOs. Certo que não me garantem segurança, pelo menos os responsáveis por este problema, teriam uma quota a se acionar no caso.

Numa cidade tão grande, coisas desse tipo “ladrão de galinhas”, também não tem sentido, parece pilhéria. Até acontecer um homicídio. Esta é a causa de vestir-me com este poema. Ele é atemporal e não se prende a nenhuma situação, serve a inúmeras.

Pois hoje, é certo, não sei o que nos acontecerá. E estamos nas mãos de muitos e de ninguém.

Angela Togeiro