Os crimes de novembro
Passei a tarde fotografando as ruínas do complexo ferroviário de Lavras, jogado as traças pelo descaso do Governo Federal e suas acintosas burocracias. Estávamos fazendo uma reportagem denúncia para a TV Câmara. Fui convidada para dar uma entrevista colocando a posição do Departamento de Cultura sobre o assunto. Lá, além da equipe da TV e de C. e W, dois sonhadores, encontrava-se o Tenente Meuxará, responsável pelo policiamento na Região. Em um determinado momento de sua vida o tenente foi meu aluno e foi muito agradável ficar conversando com ele.
Estávamos falando da violência no Estado e mediante as situações que o Tenente relatou cheguei à conclusão que Lavras é a cidade menos violenta de Minas Gerais. E foi daí que resolvi perguntar-lhe sobre os últimos crimes chocantes ocorridos na cidade. Ele esteve presente nas cenas dos crimes.
Ontem escrevi Coisa Feia, contando a história do terrível acontecimento, de acordo com a notícia espalhada como um rastilho. Hoje ele contou- me exatamente como foi. Da mesma forma que quem conta um conto aumenta um ponto, também omite outro vou tentar contar a história verdadeira, ou que está mais próxima da verdade.E foi assim que ele me contou. (Será? não terei aumentado um ponto ou omitido outro?)
- O Coisa Feia (Francisco é seu nome) não era uma pessoa muito bem vista no bairro em que vivia. Não tinha amigos. O falecido, do qual me escapou o nome, era uma das poucas pessoas com quem convivia. Ia sempre ali para um dedinho de prosa, condoído pelo isolamento do amigo. Naquele dia estavam três pessoas assentados em um banquinho de madeira, conversando. O Coisa Feia, o que morreu e um terceiro. Nas proximidades, uma casa em construção. Mãe e dois filhos tinham vindo ver a casa própria para onde se mudariam. O Coisa Feia convidou as crianças para visitarem sua casa, onde lhes daria balas. A mãe não permitiu e afastou-se com as crianças, receosa. O Coisa Feia levantou-se bruscamente e entrou em casa. O terceiro personagem que estava assentado no banquinho foi embora. Ficou só o predestinado a morrer. O Coisa Feia saiu de casa e, pelas costas, meteu o facão na nuca do amigo que caiu. Logo a seguir ele cortou-lhe as pernas e lancetou as costas do já falecido. Então voltou em casa e trouxe um prato para aparar o sangue. O que fez com o sangue não me foi narrado. No entanto foi confirmada toda ação da polícia conforme narrei no conto que escrevi. Bem como é verdadeira a fala do Monstro: sim, ele tinha 425 anos (não 450, como corria a boca pequena) e precisava matar mais sete. Para continuar a viver? O que vai acontecer com ele? Sei não. Provavelmente vai continuar preso em algum lugar, por causa do fragrante e terá que ser isolado porque certamente os outros presos vão sentir um medo terrível dele.
Perguntei ainda ao Tenente Meuxará pelo outro crime, ocorrido dias antes na vizinha cidade de I., cidade que na verdade é um prolongamento de Lavras, tanto fisicamente quanto em todos os outros aspectos: sociais, culturais e econômicos. Só não o é politicamente. Esse foi um crime dito passional. Mas pelo relato do Tenente, nem tanto.
Um próspero casal, dono de um sítio extremamente bem organizado, pais de filho único, um jovem adulto. A mulher, em determinado momento da vida voltara a estudar e agora tinha uma profissão fora do lar e dos negócios da família. Os boatos de traição começaram. Ele propôs a separação, ela negava a traição e a separação. Então um dia ela resolveu aceitar a separação. Foi aí que realmente começou a confusão. Ele queria dar a ela, sua parte em dinheiro. Ela queria a metade das terras. O que aconteceu naquele dia? Exatamente ninguém sabe, mas a dedução é de que estivessem discutindo fora da casa, ele pegou um porrete para acertar nela, movido pela raiva. Ela correu tentando se fechar no banheiro, mas ele a alcançou, meteu-lhe uma bordoada na cabeça, que pegou e sacudiu no vaso sanitário chegando a quebrá-lo, e ainda deu-lhe facadas fatais nas costas, pois atingiram o pulmão. Ao sair, encontrando alguém que chegava, disse: não vai lá não porque acabo de fazer uma burrada. Ou coisa semelhante. E então desapareceu na mata cerrada, tão cerrada que os cães da polícia não conseguiram entrar para perseguí-lo. Só se teve notícias dele outra vez quando o filho observou uma revoada de urubus por sobre a mata e resolveu ir verificar. Encontrou o pai morto enforcado, provavelmente suicídio cometido no mesmo dia do assassinato.
E agora que acabei de escrever essas duas histórias bárbaras estou me sentindo como um repórter da Imprensa Marrom. E pensando: se Lavras não é uma cidade violenta, como serão as que são?
Passei a tarde fotografando as ruínas do complexo ferroviário de Lavras, jogado as traças pelo descaso do Governo Federal e suas acintosas burocracias. Estávamos fazendo uma reportagem denúncia para a TV Câmara. Fui convidada para dar uma entrevista colocando a posição do Departamento de Cultura sobre o assunto. Lá, além da equipe da TV e de C. e W, dois sonhadores, encontrava-se o Tenente Meuxará, responsável pelo policiamento na Região. Em um determinado momento de sua vida o tenente foi meu aluno e foi muito agradável ficar conversando com ele.
Estávamos falando da violência no Estado e mediante as situações que o Tenente relatou cheguei à conclusão que Lavras é a cidade menos violenta de Minas Gerais. E foi daí que resolvi perguntar-lhe sobre os últimos crimes chocantes ocorridos na cidade. Ele esteve presente nas cenas dos crimes.
Ontem escrevi Coisa Feia, contando a história do terrível acontecimento, de acordo com a notícia espalhada como um rastilho. Hoje ele contou- me exatamente como foi. Da mesma forma que quem conta um conto aumenta um ponto, também omite outro vou tentar contar a história verdadeira, ou que está mais próxima da verdade.E foi assim que ele me contou. (Será? não terei aumentado um ponto ou omitido outro?)
- O Coisa Feia (Francisco é seu nome) não era uma pessoa muito bem vista no bairro em que vivia. Não tinha amigos. O falecido, do qual me escapou o nome, era uma das poucas pessoas com quem convivia. Ia sempre ali para um dedinho de prosa, condoído pelo isolamento do amigo. Naquele dia estavam três pessoas assentados em um banquinho de madeira, conversando. O Coisa Feia, o que morreu e um terceiro. Nas proximidades, uma casa em construção. Mãe e dois filhos tinham vindo ver a casa própria para onde se mudariam. O Coisa Feia convidou as crianças para visitarem sua casa, onde lhes daria balas. A mãe não permitiu e afastou-se com as crianças, receosa. O Coisa Feia levantou-se bruscamente e entrou em casa. O terceiro personagem que estava assentado no banquinho foi embora. Ficou só o predestinado a morrer. O Coisa Feia saiu de casa e, pelas costas, meteu o facão na nuca do amigo que caiu. Logo a seguir ele cortou-lhe as pernas e lancetou as costas do já falecido. Então voltou em casa e trouxe um prato para aparar o sangue. O que fez com o sangue não me foi narrado. No entanto foi confirmada toda ação da polícia conforme narrei no conto que escrevi. Bem como é verdadeira a fala do Monstro: sim, ele tinha 425 anos (não 450, como corria a boca pequena) e precisava matar mais sete. Para continuar a viver? O que vai acontecer com ele? Sei não. Provavelmente vai continuar preso em algum lugar, por causa do fragrante e terá que ser isolado porque certamente os outros presos vão sentir um medo terrível dele.
Perguntei ainda ao Tenente Meuxará pelo outro crime, ocorrido dias antes na vizinha cidade de I., cidade que na verdade é um prolongamento de Lavras, tanto fisicamente quanto em todos os outros aspectos: sociais, culturais e econômicos. Só não o é politicamente. Esse foi um crime dito passional. Mas pelo relato do Tenente, nem tanto.
Um próspero casal, dono de um sítio extremamente bem organizado, pais de filho único, um jovem adulto. A mulher, em determinado momento da vida voltara a estudar e agora tinha uma profissão fora do lar e dos negócios da família. Os boatos de traição começaram. Ele propôs a separação, ela negava a traição e a separação. Então um dia ela resolveu aceitar a separação. Foi aí que realmente começou a confusão. Ele queria dar a ela, sua parte em dinheiro. Ela queria a metade das terras. O que aconteceu naquele dia? Exatamente ninguém sabe, mas a dedução é de que estivessem discutindo fora da casa, ele pegou um porrete para acertar nela, movido pela raiva. Ela correu tentando se fechar no banheiro, mas ele a alcançou, meteu-lhe uma bordoada na cabeça, que pegou e sacudiu no vaso sanitário chegando a quebrá-lo, e ainda deu-lhe facadas fatais nas costas, pois atingiram o pulmão. Ao sair, encontrando alguém que chegava, disse: não vai lá não porque acabo de fazer uma burrada. Ou coisa semelhante. E então desapareceu na mata cerrada, tão cerrada que os cães da polícia não conseguiram entrar para perseguí-lo. Só se teve notícias dele outra vez quando o filho observou uma revoada de urubus por sobre a mata e resolveu ir verificar. Encontrou o pai morto enforcado, provavelmente suicídio cometido no mesmo dia do assassinato.
E agora que acabei de escrever essas duas histórias bárbaras estou me sentindo como um repórter da Imprensa Marrom. E pensando: se Lavras não é uma cidade violenta, como serão as que são?