O lápis roído (BVIW)
Não gostava das opções que tinha. Já ía levar à mão a boca mas o que fez foi ficar batendo o lápis nos dentes. Tivesse alí um espelho, talvez pintasse de preto um só para rir de si mesma. Mas lembrou-se de uma mulher num hospital anos atrás. A que havia cometido aborto com uma caneta. Era difícil imaginar alguém enfiar uma caneta na vagina com a tampa e tudo. Como por lá tinha ficado a tampa, a paciente fazia feder toda a ala de um hospital com a infecção. Seria melhor pensar em outras coisas e roer menos o lápis.
Vez ou outra cuspia um farelo de madeira. Um pouco distante o irmão comia um livro com seus olhos pequenos. Grande como o tempo para suas buscas culturais, eram as roupas e porções de comida. Notou que ele a olhara pois dissera de longe: Larga este lápis! Use meu "note".
A magra irmã, mais magra que um suspiro após café muito quente, mostrou-se indiferente à oferta. Muito melhor poder levar um lápis à boca a nem poder respingar uma lágrima no teclado que decorara as mãos daquela alma quase nunca em paz. O olhou despejando ternura. Ele já dormia depois do lanche acompanhado de arroz doce. Breve o livro estaria no chão e ninguém mais a repararia roer o lápis. Quem cuidaria dele se ela morresse ou quem se importaria com sua magreleza se ele não mais existisse?
Uma chuva começara e o lápis saiu da boca. Depositado sobre a mesa rolou desesperadamente para o chão escondendo sob o sofá. Naquela casa, ninguém se preocupava com ele. Ninguém pensaria em seu pavor ao imaginar-se transformado em uma tampa de caneta. Ser roído era um cafezinho diante outros arrepios dentro daquela boca.