Dá um Caldo
É recorrente no universo masculino, principalmente em bate-papos regados a café, água, suco, chopp ou ar, conversar sobre a gostosura da mulherada alheia. E assim como um frango de granja, nada delas deixam de ir à mesa. Comenta-se sobre tudo: a bunda arrebitada, o peito que o decote emoldura, o pescoço que incita farejadas a queima roupa, narizes, coxas, dedos, bocas… Nada escapa do aguçado olhar masculino e sua descrição engolindo salivas.
É bobo, superficial, é machista. Mas não existe ocupação mais divertida e bacana do que comentar com os coleguinhas as curvas que desfilam caminhando em linha reta. Homens são seres visuais, está no DNA, no instinto. E para nós, assim como o fotojornalismo premiado, uma imagem diz – e anima - muita coisa. Vide os primeiros exemplares de Playboy comprados aos 13 e escondidos embaixo do armário da pia (e que no meu caso, tiveram um triste fim quando a empregada decidiu lavar o banheiro).
Uma mera visão de uma barba por fazer e charme por conhecer caminhando pela rua é muito pouco para uma mulher. Não que desgoste de olhar, mas não excita nada além de algumas breves olhadas imperceptíveis à sensibilidade masculina. Para elas, melhor que ver, é sentir. Como bem já cantou Marisa Monte, bom mesmo é um corpo pesando sob o seu.
Podem até ter razão, mas para nós na maioria dos casos, basta um peitão. Para cada corpo feminino analisado existe um quase infinito leque de linguajares e termos técnicos, de conhecimento de qualquer um que vê muita graça em cenas de beijos lésbicos. Cavala, mignon, camarão, gordelícia, creme… São muitos os nomes que carimbam e dão os acordes dos corpos de violão (ou violão-celo) que fazem seus shows por aí. Mas entre todos eles, o mais interessante só podia derivar do melhor dos adjetivos ao tipo físico: o elogioso “gostosa!”, ainda melhor quando dito com X e a boca cheia.
“Gouxxtosa!”. O que um americano descreveria com um simplório “oh man… she´s so hot”, pro brasileiro tem o charme de um sambinha bem feito. Saboreamos nossas musas como quem fecha os olhos como uma garfada de feijão temperado. Um prato bem feito provoca um apetite muito parecido com o daquela maravilhosa que arrasta olhares. Por isso, o gostosa.
E quando ela não é tamanha beldade? É gostosa sim, merece as sete letras. Mas não por completo. Tudo no lugar, menos alguma coisa. Um olho meio de mal com o outro, uma bunda que levaram e nunca mais devolveram, um sorriso cujas gengivas são maiores que os dentes pequeninos. Para definir essa misteriosa e tão pessoal figura, novamente nos apropriamos de mais um termo culinário.
- E a Florinda hein Jair, que se acha?
- Ah cara… Ela dá um caldo.
Muito longe do retangular e insosso caldo Knorr, na culinária o caldo tem papel fundamental para dar o sabor que faz comer embaixo da mesa. O caldo é a esperteza do chef de mão cheia. Aproveita o suco, o resumo, o que derreteu do cozimento da carne ou frango entre azeite, cebolas e outras delícias de cheiro bom para os próximos pratos.
A mulher “que dá um caldo” tem algum defeito que não agrada o paladar comum, mas tem a sua gostosura própria. Algo inexplicável, aproveitável, que queria ou não, tem o seu vapor – ou valor - quando se abre a tampa.
O fato é que a mulher que se namora e o prato que se escolhe dependem igualmente da sensação que se passa quando em contato com a língua. O que existe de intragável em uma azeitona para um, é o toque indispensável para a empadinha de outro.
Já o caldo é uma escolha unânime da roda de conversa gastronômica. Um consenso entre todos que o objeto de análise tem sim o seu valor, dá o seu caldo suculento e saboroso que combina com todo um cardápio.
O caldo pode não ser o prato principal, mas rende por muitos jantares.