Atchin!
Espirrei feio enquanto subia a rua. Não consegui tornar meu espirro mais educado. Uma mulher desconhecida cruzou comigo e disse: Deus te abençoe. Automaticamente respondi: Amém.Logo a seguir comecei a rir sozinha. Ainda bem que não cruzei com mais ninguém. Mal educada e louca a minha auto-estima que já anda baixa iria à zero.
Por que ri? Lembrei-me que um dia, lendo os Ensaios, de Montesquieu, meu livro de cabeceira, todo rabiscado com minhas próprias anotações, encontrei em destaque um parágrafo: “Quereis saber de onde vem o hábito de abençoar os que espirram? Produzimos três espécies de ventos: o que sai por baixo é demasiado sujo; o que sai pela boca recende a comilança; o terceiro é o espirro e, como vem da cabeça e não se presta a nenhuma crítica nós o acolhemos bem. Não zombeis da sutileza, pois é, dizem, da autoria de Aristóteles”.
Logo a seguir esqueci o assunto e fui cuidar da vida que ela anda muito precisada. A minha, é claro.
E o dia passou e acabado os afazeres chegou a hora dos prazeres. Fui ler um pouco em busca de inspiração para meu texto diário. E abri o livro do Mestre exatamente no texto Dos coches. E lá estava, sublinhado, o segundo parágrafo que transcrevi acima. Uma coincidência dessas não pode passar em brancas nuvens, pensei. E resolvi escrever alguma coisa ligada ao tema que até agora não sei bem o que.
Para começar acho que impressionou- me o fato de um comportamento tão comum em nosso país ainda nos dias de hoje, como o de abençoar um espirro em nome de Deus, possa ter uma origem tão distante. Não só no tempo como no espaço esse uso atravessou o mundo para que uma mulher do povo, que provavelmente nunca ouviu falar de Aristóteles e Montaigne e se ouviu falar sobre a Grécia ou a França duvido que seja ao menos capaz de localizá-las, para que uma mulher do povo, repito, o use automaticamente ao cruzar com alguém que espirra.
Mesmo tendo lido em Montaigne e esse insinuado ser uma idéia divulgada por Aristóteles, tenho certeza de que isso não passa de uma enorme bobagem. Um típico comportamento irracional que se automatizou através dos tempos em algumas culturas. E é isso que me leva a refletir sobre quantas coisas fazemos apenas por fazer sem por um mínimo de raciocínio sobre elas.Na maioria das vezes nem perguntamos: Por quê? Para que? E se perguntamos ao outro - Por que você faz isso? - ele é incapaz de explicar. Conheço muita gente que, quando passa em frente de uma Igreja faz um sinal da cruz todo estropiado, partindo da testa e acabando na boca, onde beija os dedos que fizeram a cruz. Nenhum nunca me deu uma explicação razoável sobre o beijo nos dedos. O sinal em si, eu compreendo, embora a maioria das pessoas que o fazem, há anos nem mesmo entrem em uma Igreja.
E penso que assim vamos seguindo a vida e adquirindo comportamentos automatizados que são bem mais práticos do que pensar. Heranças que recebemos e que não questionamos. Tudo bem quando isso acontece em situações que não comprometem a nossa inteligência e que na verdade facilitam o nosso dia a dia, como por exemplo, escovar os dentes e tomar banho diariamente. Mas lastimável quando afetam o nosso desenvolvimento ou nos privam de prazeres que merecemos. Já dizia Kant que as virtudes só são virtudes se resultarem de uma escolha consciente porque se forem resultado apenas de atos repetitivos sem o envolvimento da escolha não têm nenhum valor moral. Uma dessas virtudes sem dúvida nenhuma é a caridade, pela qual nada recusamos a quem nos pede com semblante humilde: Uma esmolinha pelo amor de Deus! Ou damos pelo hábito ou negamos e sentimos uma imensa culpa. E isso me faz lembrar de quando eu era estudante e subia depois da aula para dar uma volta na Praça com meus amigos. Havia um velho negro com as pernas enfaixadas assentado na porta de uma loja de móveis. Quando nos via estendia a mão com semblante extremamente sofrido e eu sempre tinha alguma coisa para ele. Pouco tempo depois morreu e eu soube que deixara uma herança razoável em bens imóveis para a família. Foi um dos meus grandes professores de vida. Graças a ele comecei a mudar o meu conceito sobre caridade.
Como é do meu costume, já percebi: saí do assunto. Mas não é assim que a gente faz quando está conversando com um amigo? A gente não sabe onde vai começar e nem onde vai acabar, mas se um espirro se fizer ouvir temos certeza de que ouviremos de muitas bocas: Deus te abençoe. E provavelmente diremos: Amém! Que se for por livre e consciente escolha, tudo bem.
Espirrei feio enquanto subia a rua. Não consegui tornar meu espirro mais educado. Uma mulher desconhecida cruzou comigo e disse: Deus te abençoe. Automaticamente respondi: Amém.Logo a seguir comecei a rir sozinha. Ainda bem que não cruzei com mais ninguém. Mal educada e louca a minha auto-estima que já anda baixa iria à zero.
Por que ri? Lembrei-me que um dia, lendo os Ensaios, de Montesquieu, meu livro de cabeceira, todo rabiscado com minhas próprias anotações, encontrei em destaque um parágrafo: “Quereis saber de onde vem o hábito de abençoar os que espirram? Produzimos três espécies de ventos: o que sai por baixo é demasiado sujo; o que sai pela boca recende a comilança; o terceiro é o espirro e, como vem da cabeça e não se presta a nenhuma crítica nós o acolhemos bem. Não zombeis da sutileza, pois é, dizem, da autoria de Aristóteles”.
Logo a seguir esqueci o assunto e fui cuidar da vida que ela anda muito precisada. A minha, é claro.
E o dia passou e acabado os afazeres chegou a hora dos prazeres. Fui ler um pouco em busca de inspiração para meu texto diário. E abri o livro do Mestre exatamente no texto Dos coches. E lá estava, sublinhado, o segundo parágrafo que transcrevi acima. Uma coincidência dessas não pode passar em brancas nuvens, pensei. E resolvi escrever alguma coisa ligada ao tema que até agora não sei bem o que.
Para começar acho que impressionou- me o fato de um comportamento tão comum em nosso país ainda nos dias de hoje, como o de abençoar um espirro em nome de Deus, possa ter uma origem tão distante. Não só no tempo como no espaço esse uso atravessou o mundo para que uma mulher do povo, que provavelmente nunca ouviu falar de Aristóteles e Montaigne e se ouviu falar sobre a Grécia ou a França duvido que seja ao menos capaz de localizá-las, para que uma mulher do povo, repito, o use automaticamente ao cruzar com alguém que espirra.
Mesmo tendo lido em Montaigne e esse insinuado ser uma idéia divulgada por Aristóteles, tenho certeza de que isso não passa de uma enorme bobagem. Um típico comportamento irracional que se automatizou através dos tempos em algumas culturas. E é isso que me leva a refletir sobre quantas coisas fazemos apenas por fazer sem por um mínimo de raciocínio sobre elas.Na maioria das vezes nem perguntamos: Por quê? Para que? E se perguntamos ao outro - Por que você faz isso? - ele é incapaz de explicar. Conheço muita gente que, quando passa em frente de uma Igreja faz um sinal da cruz todo estropiado, partindo da testa e acabando na boca, onde beija os dedos que fizeram a cruz. Nenhum nunca me deu uma explicação razoável sobre o beijo nos dedos. O sinal em si, eu compreendo, embora a maioria das pessoas que o fazem, há anos nem mesmo entrem em uma Igreja.
E penso que assim vamos seguindo a vida e adquirindo comportamentos automatizados que são bem mais práticos do que pensar. Heranças que recebemos e que não questionamos. Tudo bem quando isso acontece em situações que não comprometem a nossa inteligência e que na verdade facilitam o nosso dia a dia, como por exemplo, escovar os dentes e tomar banho diariamente. Mas lastimável quando afetam o nosso desenvolvimento ou nos privam de prazeres que merecemos. Já dizia Kant que as virtudes só são virtudes se resultarem de uma escolha consciente porque se forem resultado apenas de atos repetitivos sem o envolvimento da escolha não têm nenhum valor moral. Uma dessas virtudes sem dúvida nenhuma é a caridade, pela qual nada recusamos a quem nos pede com semblante humilde: Uma esmolinha pelo amor de Deus! Ou damos pelo hábito ou negamos e sentimos uma imensa culpa. E isso me faz lembrar de quando eu era estudante e subia depois da aula para dar uma volta na Praça com meus amigos. Havia um velho negro com as pernas enfaixadas assentado na porta de uma loja de móveis. Quando nos via estendia a mão com semblante extremamente sofrido e eu sempre tinha alguma coisa para ele. Pouco tempo depois morreu e eu soube que deixara uma herança razoável em bens imóveis para a família. Foi um dos meus grandes professores de vida. Graças a ele comecei a mudar o meu conceito sobre caridade.
Como é do meu costume, já percebi: saí do assunto. Mas não é assim que a gente faz quando está conversando com um amigo? A gente não sabe onde vai começar e nem onde vai acabar, mas se um espirro se fizer ouvir temos certeza de que ouviremos de muitas bocas: Deus te abençoe. E provavelmente diremos: Amém! Que se for por livre e consciente escolha, tudo bem.