Caixa de Coração

Na vida estamos sempre tentando evitar algo. Um constrangimento. Uma dor. Algo que irá nos provocar um mal-estar. Quantas vezes percorremos diversas ruas para não enfrentar um longo trânsito? E quando pensamos que estamos em um caminho livre, paramos em meio à uma fila interminável de carros.

Nestes veículos estão vários corações. Inúmeras mentes pulsando. E se pudéssemos nos envolver em cada pensamento e cada sentimento? Veríamos quantas pessoas estão tentando se esquivar também. De algo que sabe que se deixasse se envolver, provocaria dor.

Esta sensação às vezes é inevitável. Tão incontrolável quanto a chuva que não estamos esperando na hora de sair de casa. E que quando colocamos o pé na rua, ela começa a cair. Vai nos molhando. Encharcando nossas roupas. Nossas cabeças. Vai percorrendo todo o nosso corpo.

Às vezes temos um guarda-chuva para nos proteger. Outras não. Mas há certas tempestades carregadas de ventos fortes. Tão intensos, que é inevitável a nossa proteção não ser virada ao contrário. E sem querer, somos novamente alagados. Impregnados pela umidade. Uma água que insiste em querer nos inundar.

Assim também é com o amor. Com a paixão. Não a queremos. Estamos em um estado tão nosso. Tão “eu”. Queremos evitar pessoas. Evitar corações pulsando juntos ao nosso. Vamos desviando de alguém aqui. De outro ali. Tentando conservar uma aparente liberdade. Uma unidade que criamos para poder dizer “Estou caminhando só, mas estou seguro”. Temos tempo integral de pensarmos em nós. Fazermos planos para nós. Só que estes nós são “eu”.

Passamos por insensíveis. “Corações de gelo”. “Corações de pedra”. Vemos constantemente alguém nos chegando e declarando os sentimentos. Pessoas nos entregando uma “caixa de coração” cheia de presentes. Resolvemos devolver. Dizemos “Por favor, fique com seus próprios sentimentos. Eles são seus”. É a balança que pesa para o “eu”. Porque é difícil e temeroso pegar esta “caixa de coração” e colocar dentro de nós os sentimentos dos outros. Ficamos muito pesados quando estamos com toda esta carga em cima de nós. E queremos ser leves o máximo possível.

Resolvemos então passar – não mais – por tempestades intensas. Apenas chuviscos. E aquelas ventanias intensas não viram mais ao contrário nossos guarda-chuvas. Pelo contrário, estes ventos muito fortes apenas nos afastam.

Porque algum dia...

Algum dia...

Fomos nós também esta mesma pessoa que tinha uma “caixa de coração”. E sabemos que algum dia...

Que algum dia...

Algum dia fomos nós mesmos que a entregamos a alguém. E este alguém nos disse:

“Por favor, fique com seus próprios sentimentos. Eles são seus”.

Delano Almeida
Enviado por Delano Almeida em 19/10/2010
Reeditado em 20/10/2010
Código do texto: T2566288