Meta-conto

Acordo de manhã com uma idéia na cabeça. Infelizmente, não poderei escrevê-la tão cedo: sai logo ao raiar do céu para correr atrás do meu pão de cada dia e volto só à noite. Tudo bem. Guardo essa idéia em algum lugar na minha mente. Algum lugar seguro, de onde ela não escapará. Sigo meu dia.

Logo ao sair na rua, ao ver as pessoas passarem, vem-me à mente uma frase. E eu, instintivamente, transformo essa frase em parágrafo. E esse parágrafo em texto. Depois resumo esse texto em uma única frase. De vez em quando me dou ao luxo de duas. Guardo essa frase na cabeça, junto com a idéia inicial. Não tenho necessidade de escrevê-las ainda. Frases soltas não movem montanhas. Preciso armazená-las, amarrá-las e esconde-las, para que depois, quando tiver tempo, possa juntar todas em uma única idéia, e, quem sabe, conseguir transpor ao papel aquilo que minha mente criou. Fico com essas duas ou três frases então.

Logo mais tarde, enquanto almoço e dou um breve descanso a minha mente das tarefas do dia-a-dia, permito-me uma fuga ao meu mundo particular. Pego uma folha de papel e escrevo a esmo. Simplesmente escrevo. Frases soltas, muitas vezes sem sentido. Não gosto delas. Jogo ao lixo minha alma transposta em palavras.

O dia vai passando. Novas ideias me surgem. Novos pensamentos e histórias fervilham na minha mente. Tento lutar contra elas, mas é uma luta injusta: palavras, tão fortes, tão senhoras de si, contra um mísero escritor, preso a si mesmo, preso a sua rotina e seu mundo. Logo desisto. Fecho os olhos e as deixo fluir, livres pela minha mente, enquanto experimento uma espécie de torpor, de êxtase perante o poder daquelas que vem para me seduzir.

Chega à noite, e - graças a Deus! - tenho tempo para escrever. Sento-me em frente a minha mesa, abro meu caderno, abro minha mente. E, pasmem! Todas as palavras me fugiram! Procuro relaxar. Vou, tomo um café, mordisco algo de leve, passeio com o cachorro pela rua enquanto espero que minhas ideias voltem. Mas não voltam.

Resolvo tentar de novo. Sento-me, medito, tento lembrar, e nada. Não me vem mais nada. Deserdaram de vez. Tento, incansavelmente, trazê-las de volta. Passam-se os minutos, as horas, e nada. Quando dou por mim, já estou atravessando madrugada adentro, e a folha continua em branco. Uma brancura que muito me incomoda. Desisto de vez e vou dormir, na certeza que amanha será tudo igual...