Encontro desencontrado.
Houve um dia em que eles se encontraram. Houve um dia em que eles se amaram. E o desejo de amor foi tão cruciante que os compactou à margem de si mesmos. Veio à tona a violenta fome dos caminhos percorridos na solidão...e, tanto se queriam no interior um do outro que se tornaram antropofágicos...
Comiam e bebiam o mundo e a si mesmos dentro dele como recheio energético que se lhes pudesse aplacar a voracidade primal. Ele começou a devorá-la pelos pés e pernas para que ela não pudesse dele se afastar e ela não sentiu qualquer dor pois estava saboreando os olhos dele para que ele só tivesse em si a imagem dela.
Quando já quase não lhes restava carne e a fome não lhes houvesse sido saciada, voltaram-se juntos e cúmplices para os que se faziam mais próximos, outros famintos aos quais ofereciam sonhos de iguarias para que não sentissem dor.
Porém, foi chegada a hora em que, durante um banquete, ela sentiu morderem-lhe o coração, única parte de si ainda intacta de vida e esperança. Então, estancou sua voraz loucura. Não houve um grito, mas um lamento rouco de sua alma cansada. Os outros mal a ouviram ou não lhe deram atenção. Ela imaginou que com sua atitude de recusa à loucura total poderia levar seu amado a sentir também o peso do desvario de consumir-se. Ele, porém, não deu sinal de reconhecimento ou de qualquer atitude consciente...
Mais tarde se fez e ela queria vomitar toda a carne engolida, queria, de algum modo, refazer seu corpo dilacerado, sua alma corrompida... Mordeu-lhe, então, docemente a pontinha do coração, para que, talvez, fazendo-o sentir a mesma dor que experimentara, pudesse com ela compartilhar do regresso sadio. Em vão seus esforços, seus rogos, seus gritos, seu uivo rouco e desesperado...
Ele, voracidade ensandecida, bebia vinho, se ria de sua dor, escarnecia e mais fundo a mordia. Deixou-se ela morder e, pelo verdadeiro amor agora encontrado, quanto mais ele a engolia mais seu corpo se refazia. Ela estava de novo inteira completa e luminosa.
Ele não resistiu à luz e fugiu apavorado...
Helena de Santa Rosa
Niterói, 01 de outubro de 2010.
11:34