MEU SERTÃO

O umbuzeiro querido resistia verde, sem frutos a um sol inclemente.

O vento soprava uma brisa morna que levantava a poeira seca e que ardia nas narinas quando a gente respirava.

Nos olhos da gente, o mormaço vindo do chão tremia de tão quente, parecia labareda de fogo cheia de palha e talos do pasto esturricado pela seca causticante, pisado pelo gado que viajava quilômetros para comer centímetros de raízes.

O carro de boi, de tão triste, gemia alto entre nuvens de poeira.

O sertão morria no verão para só nascer uma babugem com as chuvas escassas do inverno tardio, e, feijão, milho, mandioca e batata para a sobrevivência, sem contar a água junta do açude para matar a sede dos homens e animais. Os mandacarus cheios de espinhos queimados do sol

eram os sobreviventes mais teimosos, além das pedras e serrotes.

Queimavam-se seus espinhos, para alimentar os homens e seus bois.

Seus frutos coloridos alegravam a criançada magra de fome, pela estiagem.

Era essa uma malvada e assombrosa região. O sol ardente secava até as idéias dos seus habitantes.

Ouvi um carcará sanguinário gritar em vôo rasante pressentindo o cheiro de carniça. A ave pousou num pereiro. Equilibrou-se e me olhou curiosa e com medo alçou vôo. Ouvi em seguida o estalo da morte. Acho que o que vi cair do céu foi um carcará, ainda pude ouvir dois piados tristes antes de morrer. No fim da tarde, vi o céu tingir-se de um escarlate, vermelho, laranja, amarelo, rosa e violeta deslumbrante.

Queria descansar na noite e primeiro, observar o céu, luar, estrelas e pirilampos e cigarras. Namorava a lua vistosa que deitava o seu brilho

do lado de cá do horizonte daquele sertão imenso.

As cigarras tolas ainda cantavam grudadas no tronco do umbuzeiro...

no fim da estação morreriam secas de tanto cantar ao vento.

Morriam de cantar, todas, como estrelas distintas. Artesãs de uma única estação.

O bacurau na estrada me deixou curioso. Fui vê-lo de perto.

Pus o foco de minha lanterna, direto nos seus olhos e ele me pareceu inquieto e gritar em virtude da luz. Voou atordoado para o outro lado da cerca, no resto de mato cinza da caatinga.

Na poeira seca da estrada, vi as listas meio sinuosas, das cobras andadeiras

que saíam de suas tocas diante do calor infernal.

Andavam à procura da chuva.

-“ Vai chuvê, moço..., as cobra já está andano, saino das toca. Prestatenção.”

O homem estava certo, o sol não ardia como no dia anterior. Era a chuva que chegava.

Voltei quarenta dias depois para conferir os benefícios das chuvas, encontrei outro paisagem. Fazia frio, as borboletas assanhadas enfeitavam o céu, os mandacarus, palmas, umbuzeiros, tamarindos, cajueiros juremas, caroás, capim, tudo verdinho, verdinho. Homens trabalhavam felizes cavocando o chão batido cheio de cascalho e pedregulho que agora deixava a enxada cortar a terra molhada.

“Tome moço..., leve esse cunzinhado de feijão de corda pru mode se alembrá da gente. O sertão é assim mermo. Pra qui só vem quem tem corage. Tem dia que chove tanto que faz medo. Mas quando o sol queima o juízo da gente, dá pena. Parece uma fogueira cheia de fogo, quase não se acaba mais de fazer calor. É duro, moço. Só Deus tem compaixão de nós.”

Deixei o sertão para trás... E trouxe muita coisa para contar.

Vitoria 27/9/2010

Ma Vie
Enviado por Ma Vie em 29/09/2010
Reeditado em 06/11/2010
Código do texto: T2527071
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