QUEM VAI DESCASCAR MEU ABACAXI?
Quem descasca meu abacaxi? Quem vai dar a cara à tapa pelos meus problemas? Quem comigo chorará desilusões? Quem? – Certamente ninguém! Nem nós descascaremos o abacaxi dos outros.
"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" – Frase muito difundida por A. S. Exupéry no seu livro O PEQUENO PRÍNCIPE (O Principezinho, em Portugal -1943). Faz muito tempo que o li. A forma simples com que foi escrito acerca do amor, continua sucesso no mundo inteiro. O melhor é que foi escrito durante o exílio nos Estados Unidos, quando fez visitas ao Recife. Podemos dizer que essa obra enfoca MUDANÇA DE VALORES; ensina como nos equivocamos na avaliação das coisas e das pessoas que nos rodeiam. Esses julgamentos nos levam, quase sempre, à solidão. – Não estaria nesse entremeio a dificuldade de compreender "POR QUE NINGUÉM DESCASCA MEU ABACAXI"?
Imagino que nos acostumamos mal durante a vida, administrando os valores culturais EQUIVOCADOS da nossa sociedade: o professor é quem (em tese) é dono do conhecimento. Os pais nos dizem as verdades deles e exigem que nós as pratiquemos. O Estado nos passa lições de patriotismo na visão do modelo político vigente. O patrão quer que as coisas sejam feitas como eles determinam. Os amores são todos cobradores, ciumentos, controladores.
Aos poucos a gente vai cultivando ABACAXIS pela vida. Chega um ponto em que temos muitos abacaxis, mas poucos descascadores. Certamente aparecerão muitas pessoas para degluti-los, mas essa é outra prerrogativa que só quem descasca o abacaxi terá condições de definir quem irá saboreá-lo.
No caminhar, provavelmente ninguém deixa de ter contato com a solidão. Ela, sorrateira, nos invade enquanto tentamos construir uma alternativa própria de vida; talvez uma nova forma de plantar e colher abacaxis. Firma-se neste momento, a ligação entre as avaliações que teremos que fazer sobre as pessoas e a solidão. Julgar não é fácil pela sua própria natureza subjetiva. Fica mais difícil porque não podemos avaliar os que nos cercam senão pelas suas atitudes. Mas mesmo estas nos traem, pois nem sempre refletem a verdade interior dos indivíduos. Há quem nos rodeie dizendo SIM sendo NÂO. Outros dizendo NÃO sendo SIM. Outros nem SIM NEM NÃO muito menos pelo contrário. Pergunto-me: não será o caso de darmos mais valor ao olhar? "Como eu não sei rezar, só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar"... O olhar traz consigo componentes importantes como gestos transcendentais – uma espécie de sintonia fina com o universo.
Talvez a solidão de Exupéry nem tenha esse foco como principal. Contudo, parece que as pessoas a vivenciam, atualmente, com o beneplácito da sociedade de consumo. Deste modo, tudo leva a crer que ignoram a estrutura da problemática, preferindo se debruçarem nos efeitos. As causas da solidão são estruturais e se remetem a histórias regadas com o ranço do preconceito ou de "receitas prontas de felicidade". Sempre entendi que a solidão dói mais do que as dores físicas. Não se compra na farmácia remédio para esse mal, pois dor da alma só o amor pode curar. Inegável que a filosofia é a viga mestra do PEQUENO PRINCIPE. Este, até onde pude perceber não teve quem descascasse seu abacaxi, mas valeu-se dela para se estabelecer eterno. Sua relação com a ROSA é um compêndio filosófico firmado em cima da simplicidade da rainha das flores, pois certamente o "importante seria mesmo invisível aos olhos". O contexto que segue, dependendo do angulo de visão, adéqua-se:
“Sois belas, mas vazias. Não se pode morrer por vós. Minha rosa, sem dúvida um transeunte qualquer pensaria que se parece convosco. Ela sozinha é, porém mais importante que vós todas, pois foi a ela que eu reguei. Foi a ela que pus a redoma. Foi a ela que abriguei com o para-vento. Foi dela que eu matei as larvas. Foi a ela que eu escutei queixar-se ou gabar-se, ou mesmo calar-se algumas vezes. É a minha rosa." ... É o meu abacaxi, certamente este poeta louco (Carlos Sena) poderia dizer em paráfrase.
Buscar ser feliz fincado em valores de excentricidade, luxo e conforto é um equívoco. Procurar ser feliz com o que se vê e o que se tem, deixando de fazer escolhas com critérios particulares é preocupante. Importantíssimo é tudo que nos rodeia em termos materiais e de afeto. Pode ser que em cada objeto a gente descubra nele significados importantes de afeto. O afeto, nem sempre se materializa em objeto. A rosa do Pequeno Príncipe lhe foi a mais importante, mas mesmo assim poderia ser confundida com as demais. Aquela rosa adquiriu significados de afetos, de amor, em função dos cuidados, da relação de cumplicidade estabelecida entre eles. “Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas" – uma das citações mais difundidas no mundo quando se referencia A. S. Exupéry. Cabe a pergunta: a rosa, que foi tão cuidadosamente cultivada pelo "jardineiro", descascaria os ABACAXIS do príncipe? – Não. Ela, provavelmente iria saborear com o príncipe o abacaxi. Não entendemos de somais importância a ação do "descascar" e sua autoria. A rosa e o príncipe poderão descascar desde que o abacaxi tenha sido regado, podado, posto na redoma, adubado pelos dois no princípio da cumplicidade. Senão vejamos: "O amor verdadeiro não se consome, quanto mais dás, mais te ficas”. “Só os caminhos invisíveis do amor libertam os homens." O verdadeiro amor nunca se desgasta. “Quanto mais se dá mais se tem."
Há quem entenda que o amor na forma que é tratado no PEQUENO PRÍNCIPE seja irreal. Talvez porque os amores praticados nestes tempos modernos são constituídos de atitudes frágeis, basicamente em função dos prazeres e dos confortos que os bens materiais facultam.
Mais uma pergunta: nossos abacaxis não representam falta de amor? Recordemos a violência das grandes cidades, a falta de compromisso público por parte dos políticos, a falta de ética nas relações sociais, a justiça que só funciona para os ricos, o enorme arsenal de armas atômicas que põe em risco a vida do planeta, etc., não são a FALTA DE AMOR TRADUZIDA em fatos? O ciúme, a traição, o preconceito, o levar vantagem em tudo, o egoísmo, etc., não são, mais uma vez a falta de amor?
Quando o amor sucumbe, a SOLIDÃO deixa de ser alternativa para ser imperativa. O princípio da solidão, para muitos pode ser a falta de pessoas alhures. Esse engano é reforçado pela presença sombria dos mistérios. O amor só é grande porque não se alcança com facilidade os seus meandros. Amar é sentimento único cuja experiência não se transfere a outrem. Não tem receita como tem o bolo de nossa preferência. As várias moradas do amor mais se assemelham às diversas formas de se chegar ao céu: requerem devoção, contrição e fé. Qualquer lógica formal não se aplica. Qualquer absurdo que se pratique em nome do amor é visto como loucura. Deve mesmo ser coisa de louco o cultivo do afeto sem a utilização das “ferramentas” socialmente estabelecidas. Esse tal de amor parece mesmo ser um grande ABACAXI... Doce, por sinal, como um bom abacaxi em tempo de safra como os de Sapé, na Paraíba, ou os da Serra das Russas em Pernambuco. Amor libertador para não se desgastar; invisível para que não seja preciso ter olhos; verdadeiro para que não se esgote em si.
– Quem vai descascar meu abacaxi?
– Ninguém!