TEXTO COMPLETO - PRIMEIRA PARTE - Diário Poético-Sentimental de Uma Greve: Curiosidades, Emoções e Poesia na Greve do Judiciário Trabalhista Mineiro

Diário Poético-Sentimental de Uma Greve:

Curiosidades, Emoções e Poesia na

Greve do Judiciário Trabalhista Mineiro

Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento.

Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem

(Bertolt Brecht)

I

18 de maio: manifestação em frente ao prédio da primeira instância do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 3ª. Região, com a participação de mais de 500 servidores.

É difícil saber quando uma greve toma de fato o peito e o coração da gente. Em mim esse fenômeno aconteceu por volta do dia 14 ou 15 de maio.

O sentimento da greve aparece inicialmente em nós de forma muito semelhante a qualquer outro sentimento: vai surgindo e aportando lentamente e traz consigo receio e desejo. É possível até mesmo fazer um paralelismo entre os sentimentos que explodem numa greve e os do amor.

Por exemplo: antes mesmo de começarmos a amar já pressentimos que a força desse desejo e dessa necessidade já existia há tempos dentro de nós. E que esse afeto só esperava o objeto certo para se manifestar.

Existem, porém, outras semelhanças entre as duas emoções: o movimento grevista é das coisas mais difíceis que existe, principalmente no seu início. Mas quem teria a coragem de afirmar que o amor também não o é? E que amar muitas vezes não nos chega a doer na alma e na carne? E como não reconhecer também que o início do amor muitas vezes se revela difícil e árduo?

Pois é isso: parece-me que a greve tem de fato muito do amor. E como uma amada, a greve sempre exige coisas de nós e, não raro, tende a nos pedir exatamente aquilo que temos de melhor.

A greve determina, antes de qualquer outra coisa, uma mudança brusca na rotina e na nossa maneira de ser, de perceber a vida e de conviver no mundo. O normal é que ocupemos parte dos nossos dias na elaboração de algum trabalho produtivo. Então, quando o “não trabalhar” e o “não se ocupar” é que passam a representar a única forma possível de demonstração e escolha, esse fato costuma torcer a cabeça e – por que não dizer logo - adoecer os pensamentos e os sentimentos de uma pessoa.

É também por esse motivo que uma greve sempre vai representar inicialmente uma verdadeira revolução interna nas escolhas e opções de um indivíduo. Antes de se extravasar ao mundo exterior, a greve te impõe um preço e uma escolha interna: participar ou não participar. E essa é provavelmente uma das opções mais difíceis de ser tomada no mundo do trabalho.

Ela é complicada exatamente por apresentar uma série de riscos: a perda salarial dos dias parados; o confisco de uma gratificação que certamente fará falta no conjunto da nossa remuneração; a possibilidade de termos as férias adiadas em decorrência do excesso de trabalho após a greve, etc.

Nessa escolha cada um de nós mede aquilo que poderíamos chamar simplesmente de vantagens e desvantagens, calcula a possível margem de erro e... se arrisca ou não, abandona ou não o casulo da sua pseudo-segurança!

E não é o mesmo quando nos referimos ao amor? Diríamos que ou o sujeito se lança de cabeça nos seus sentimentos e emoções ou foge assustado e temeroso diante da figura real e nua da mulher amada.

Ontem eu percorri sete varas do trabalho no objetivo de ter uma idéia real acerca do andamento da greve em Belo Horizonte. Conclusão: cinco dessas varas estão em greve acompanhando as determinações constantes da portaria publicada pela Presidência do TRT no dia 13 de maio.

Já numa das outras duas secretarias não havia nenhum servidor em greve e na última apenas dois servidores se encontravam em greve: um assistente de juiz e outro de diretoria.

II

Realmente, vivemos em tempos sombrios.

Uma linguagem sem malícia é sinal de estupidez,

Uma testa sem rugas denota insensibilidade.

Aquele que ainda ri é porque não recebeu a terrível notícia.

Que tempos são esses em que falar sobre flores é quase um crime,

Pois significa silenciar sobre tantas injustiças?

Aquele que cruza tranqüilamente a rua

Já está então inacessível aos amigos

Que se encontram necessitados?

É verdade: eu ainda ganho o bastante para viver.

Mas acreditem: é por acaso. Nada do que eu faço

Me dá o direito de comer quando eu tenho fome.

Por acaso estou sendo poupado.

(Se a minha sorte me deixa estou perdido!)

(Bertolt Brecht)

Um importante aspecto a ressaltar em relação à greve refere-se ao fato de que depois de cada ato ou manifestação seguimos sozinhos a caminho das nossas casas ou na direção de outros afazeres e locais e ali permanecemos meio que perdidos. A verdade é que muitas vezes demoramos a nos adaptar à rotina da greve.

Para remediar esse fato e preencher a mente e o tempo ocioso, talvez seja interessante lembrar que vale a pena (depois dos atos diários e manifestações de rua) percorrer amigável e pacificamente os locais de trabalho dos colegas que ainda não tenham aderido à greve e solicitar-lhes a presença no movimento ou nas manifestações.

Como podemos observar, a greve é uma escolha e uma construção ao mesmo tempo pessoal e coletiva e demanda tempo. É também uma contradição difícil de ser resolvida tanto dentro do pensamento quanto em relação aos sentimentos dos manifestantes.

Algumas vezes, no entanto, concluiremos que teremos inevitavelmente que participar de uma greve, isto é, teremos que escolher deixar de trabalhar para garantir que a nossa dignidade e o suor de cada dia sejam respeitados e devidamente remunerados.

Por outro lado, temos plena consciência que ao retornar ao trabalho – dias, semanas ou meses depois, dependendo do montante de tempo que vier a durar as negociações e o movimento de greve em si – haveremos de encontrar todo aquele serviço acumulado nos observando ressabiado e meio que sem jeito, aguardando que o tomemos nas mãos como filho legítimo que é, ainda que tenha sido colocado momentaneamente de lado.

E o fato é que sabemos que teremos de dispor todo aquele trabalho de volta no necessário caminho do amor e na corrente impetuosa daquele rio que por algum tempo se viu obrigado a estar fora do seu curso ou de seu leito.

III

Fôssemos infinitos

Tudo mudaria

Como somos finitos

Muito permanece.

(Bertolt Brecht)

Essa greve tomou conta da minha alma no dia 15 ou 16 de maio. Talvez um pouco antes. Um ou dois dias atrás um colega de Secretaria havia comentado com uma companheira que no ano de 1996 os salários estavam muito defasados.

Eu havia acabado de tomar posse no meu cargo no Tribunal e o meu primeiro contracheque viera no valor de seiscentos e poucos reais. Era realmente pouco. No meu caso específico mal dava para pagar o aluguel de um apartamento próximo ao Carrefour de Contagem e para fazer a compra de alimentos do mês. Eu e minha esposa estávamos casados há seis anos e tínhamos dois filhos. Naquele orçamento não havia sobras para consultas a dentista, viagens, passeios ou quaisquer outros tipos de divertimentos ou gastos extras.

Então – como afirmara o meu amigo para a nossa colega - se compararmos os contracheques daquela época (1996) com os atuais, você poderá perceber que os três planos de cargos e salários anteriormente conquistados por nossa categoria tiveram primordial importância na manutenção e na revisão da nossa remuneração.

Quer um motivo mais interessante e justo do que esse para que um servidor se sinta atraído pelo atual movimento grevista? Alguém precisa de outra boa razão para deixar o casulo da sua suposta “segurança”?

IV

Na primeira noite eles se aproximam: colhem uma Flor do nosso jardim e não dizemos nada. Na segunda noite, Já não se escondem: pisam as flores, matam o nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a lua e, conhecendo o nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E porque não dissemos nada, já não podemos dizer nada

(Eduardo Alves da Costa)

Antes da atual greve, os servidores do Judiciário Federal já haviam realizado outras três. Em todas elas o objetivo mais atraente fora certamente a aprovação de um Plano de Cargos e Salários (PCS) para a categoria. Na atual greve, entretanto, temos também como importante fonte de motivação a oposição ao projeto do governo que busca congelar os salários de todos os servidores do país – os municipais, os estaduais e os federais - por cerca de dez longos anos.

O primeiro movimento de greve aconteceu no ano de 1996, o segundo em 2002 e o terceiro em 2006, sendo que eu havia participado dos dois últimos movimentos.

Sempre que me recordo do movimento de 2002, ressurge de imediato uma cena na minha memória: a ex-presidenta do sindicato - e uma das suas atuais diretoras de base - a colega Lúcia Bernardes saía percorrendo as Varas do Trabalho localizadas no prédio da Rua Goitacases com o objetivo de nos informar sobre a greve.

Naquele dia ela dissera algo que havia resolvido definitivamente em minha cabeça a difícil questão da minha participação pessoal na greve. Propusera a ex-presidenta o seguinte problema para nós, servidores: a qual criança uma enfermeira se dirigirá primeiro ao adentrar o berçário de um hospital? Qual delas chamará a sua atenção e receberá os cuidados iniciais?

Resposta: a enfermeira dará sua atenção inicialmente para a criança que estiver chorando, esperneando e pondo a “boca no mundo”.

Algumas das finalidades de uma greve são exatamente essas: atrair a atenção da sociedade, buscar a aceitação da população e objetivar a abertura de negociação.

O que a ex-presidenta quis dizer naquela ocasião é que se nos dispusermos calados e quietos como as vaquinhas e os burrinhos de presépio desse ou de qualquer outro mundo, ninguém nos ouvirá e o bonde da história com certeza passará sobre nós sem sequer se aperceber que um dia existimos.

Nas condições descritas anteriormente, a enfermeira entrará no berçário e não dará a mínima importância para aquele amontoado de bebês silenciosos, sonolentos e bonzinhos. Agora - e por outro lado - experimentemos abrir a boca e por as nossas cordas vocais e os nossos pulmões cheios de vida para funcionar que vocês vão ver: todos imediatamente perceberão a nossa presença e o nosso grito não terá sido em vão.

V

Também o céu às vezes desmorona

E as estrelas caem sobre a terra

Esmagando-a com todos nós.

Isto pode ser amanhã

(Bertolt Brecht)

Durante a manifestação desse dia 18 de maio, leu-se uma mensagem enviada a nós pelos servidores da Vara do Trabalho de Teófilo Otoni. Se eu ainda tivesse qualquer dúvida ou receio em aderir à greve, esta teria desaparecido completamente como fumaça na ventania e lágrimas na chuva.

Segue abaixo a referida mensagem:

"Caros Colegas,

Nós, servidores da Justiça do Trabalho, acostumados a lidar com o direito de greve, bem sabemos que este é um direito que nos foi constitucionalmente assegurado, sendo vedada qualquer retaliação e/ou discriminação pelo seu exercício legítimo.

Deveríamos, pois, pautados na legalidade, exercê-lo em sua plenitude, sem receio algum.

Não obstante, para aqueles que ainda não se sentem seguros a tanto, fica aqui um ensinamento do renomado Augusto Cury, de sua obra 'O Vendedor de Sonhos – O Chamado':

Duas lagartas teceram cada uma seu casulo. Naquele ambiente protegido, foram transformadas em belíssimas borboletas. Quando estavam prestes a sair e voar livremente, vieram as ponderações. Uma borboleta, sentindo-se frágil, pensou consigo: ‘A vida lá fora tem muitos perigos. Poderei ser despedaçada e comida por um pássaro. E mesmo se um predador não me atacar, poderei sofrer com as tempestades. Um raio poderá me atingir. As chuvas poderão colar minhas asas, levando-me a tombar no chão. Além disso, a primavera está acabando, e se faltar o néctar? Quem irá me socorrer?’ Os riscos de fato eram muitos, e a pequena borboleta tinha suas razões. Amedrontada, resolveu não partir. Ficou no seu protegido casulo, mas como não tinha como sobreviver, morreu de modo triste, desnutrida, desidratada e, pior ainda, enclausurada pelo medo que tecera.

A outra borboleta também ficou apreensiva; tinha medo do mundo lá fora, sabia que muitas borboletas não duravam um dia fora do casulo, mas amou a liberdade mais do que os acidentes que viriam. E assim, partiu. Voou em direção a todos os perigos. Preferiu ser uma caminhante em busca da única coisa que determinava sua essência.

Não nos esqueçamos que o nosso casulo, hoje seguro e confortável, poderá nos sufocar amanhã. 'Não há mal que sempre dure nem bem que se perdure'.

Todas as conquistas são frutos de árduas, porém necessárias, e constantes batalhas. Sejamos nós caminhantes dos nossos sonhos e ideais.

A hora é JÁ.”

Congratulamo-nos com os servidores de Teófilo Otoni e com todos os demais colegas, estejam eles lotados na capital ou no interior, sejam aposentados ou não, juízes ou servidores.

Hoje se encontram em greve os seguintes municípios mineiros: Diamantina, Montes Claros, Pium-í, Tombos, Uberaba, Teófilo Otoni, Rio Piracicaba, Nanuque e Contagem. Que outros se unam ao movimento. Afinal – e como disse Alexandre Brandi, presidente do sindicado:

- A luta é justa, a greve é ordeira e o movimento em Minas vem crescendo muito.

VI

O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos: o político vigarista, pilantra e corrupto, o lacaio dos exploradores do povo

(Bertolt Brecht)

Há um fato ocorrido na manifestação do dia 17 que eu não poderia deixar de registrar. Eu não me encontrava presente naquele ato, mas tomei conhecimento do ocorrido através de uma colega que lá esteve e que me relatou os acontecimentos.

A manifestação daquele dia se deu em frente ao prédio do Tribunal Regional Eleitoral, na Avenida Prudente de Morais e contou com cerca de 420 servidores. O fato marcante ali foi a presença de uma professora da rede estadual de ensino que por uma feliz obra do acaso transitava nas imediações da rua em que nos encontrávamos.

Após se apresentar ao movimento, foi lhe confiado o microfone. A professora relatou então que o movimento grevista dos professores estaduais mineiros já se estende por mais de 30 dias e que os mestres aguardavam que o governo estadual se abrisse para a negociação com a categoria. Entre outras coisas, discutia-se acerca do piso salarial que se encontra atualmente bastante defasado.

A professora alertou em seguida acerca da necessidade de se fazer greve e de se ocupar as ruas e praças da nossa cidade, fechar-lhes o transito:

- “Façam barulho, fechem as ruas!”, repetiu ela com emoção.

(Essa palavra de ordem me fez recordar das palavras da diretora de base, a aposentada Lúcia Bernardes, à respeito do pronto atendimento da enfermeira ao entrar no berçário de um hospital: ela se dirigirá em primeiro lugar ao bebê que estiver chorando e pondo a boca no mundo. No final das contas – disse-nos ela - é muito perigoso permitir o choro de um bebê em um berçário. Isso pode fazer com que as outras crianças se despertem dos seus sonos e sonhos e dêem início a uma verdadeira “conspiração” infantil. Essa é, inegavelmente, uma das funções e dos objetivos dos atos e manifestações da greve.)

A professora comentou ainda que em determinada época tivera um bom salário, mas que este viera decaindo e que se encontrava atualmente tão minguado que mal dava para ela pagar os estudos de sua própria filha. No final do seu discurso a mulher foi intensamente aplaudida pelos servidores presentes.

Chamou-nos a atenção tanto as suas palavras quanto a coragem com que se apresentou e manifestou o seu apoio ao nosso movimento. Em seguida o servidor Rubens Pinheiro da Cruz, o nosso conhecido e querido Rubinho que em todas as greves e manifestações sempre nos emocionou e nos brindou com a pujança de sua arte musical - fez um apelo para que os servidores do judiciário e do professorado mineiro se apoiassem mutuamente enquanto categorias irmãs de trabalhadores em busca dos mesmos objetivos: Justiça e Dignidade.

VII

Quem construiu a Tebas de sete portas?

Nos livros estão nomes de reis.

Arrastaram eles os blocos de pedra?

E a Babilônia várias vezes destruída –

Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas

Da Lima dourada moravam os construtores?

Para onde foram os pedreiros, na noite em que

a Muralha da China ficou pronta?

A grande Roma está cheia de arcos do triunfo

Quem os ergueu? Sobre quem

Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio

Tinha somente palácios para os seus habitantes? Mesmo

na lendária Atlântida

Os que se afogavam gritaram por seus escravos

Na noite em que o mar a tragou.

O jovem Alexandre conquistou a Índia.

Sozinho?

César bateu os gauleses.

Não levava sequer um cozinheiro?

Filipe da Espanha chorou quando sua Armada

Naufragou. Ninguém mais chorou?

Frederico II venceu a Guerra dos Sete Anos.

Quem venceu além dele?

Cada página uma vitória.

Quem cozinhava o banquete?

A cada dez anos um grande Homem.

Quem pagava a conta?

Tantas histórias.

Tantas questões.

(Bertolt Brecht)

O ato do dia 13 – segundo dia de greve dos servidores do Poder Judiciário Federal - ocorreu junto ao prédio do TRT, na Rua Mato Grosso, e contou com a participação de 480 trabalhadores.

O fato marcante desse dia se deu quando a servidora Margareth, solicitou o microfone e apresentou importante questionamento aos governantes:

- O governo diz que está emprestando dinheiro para a Grécia, o Haiti e outros países, e alega não ter dinheiro para pagar a nós, servidores. O que está por trás disso? Se não tem dinheiro para pagar o salário do servidor, então não deve ter também para emprestar para fora.

Ao final ela deixou o seguinte apelo:

- Conscientize-se cada um em sua vara, pois (a greve e o nosso plano de cargos) é uma questão de justiça.

VIII

A corrente impetuosa é chamada de violenta

Mas o leito do rio que a contém

Ninguém chama de violento.

A tempestade que faz dobrar as bétulas

É tida como violenta

E a tempestade que faz dobrar

Os dorsos dos operários nas ruas?

(Bertolt Brecht)

Neste mesmo dia 13 de maio o Sindicato passou a distribuir uma CARTA ABERTA À POPULAÇÃO: Porque estamos em Greve. Nela buscou-se explicar aos belo-horizontinos os motivos e as razões do presente movimento. É o texto que vai abaixo:

Desde 2006, ano de nossa última revisão salarial, nós, servidores do Poder Judiciário Federal, discutimos a estruturação de um plano de carreira que venha nos garantir mobilidade e possibilidade de ascensão na carreira, salários dignos com correção anual, paridade entre ativos e aposentados e qualidade de vida no trabalho – condições que, se satisfeitas, possibilitariam uma prestação de serviços ainda mais eficiente à população. Em 2009, após exaustivas negociações, diversos atos públicos e, por fim, a deflagração de uma greve nacional da categoria, conseguimos que nosso anteprojeto de revisão salarial fosse enviado ao Congresso Nacional. Era o primeiro passo de uma caminhada que hoje está em seu momento mais crítico, frente às dificuldades de tramitação do projeto de lei de revisão salarial, o PL 6613/09.

Ocorre que, depois de tanta luta e tanto esforço dos servidores e seus sindicatos, eis que o projeto encontra-se, mais uma vez, parado, devido a pressões contrárias do governo, conforme pode ser presenciado pelos próprios servidores, que acompanharam uma audiência pública e a última sessão da CTASP – Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, na Câmara dos Deputados, em Brasília. Tal comissão é a primeira das três pelas quais o PL 6613/09 precisa passar para ser votado no Senado. Por três vezes, o projeto foi retirado de pauta. Em vista dessa dificuldade já no início da tramitação, foi deflagrada a greve nacional da categoria a partir de 6 de maio – e, em Minas Gerais, a partir de 12 de maio, quarta-feira.

Além da pressão constante nos locais de trabalho, enorme carga de tarefas, com processos e mais processos a dar andamento, ainda há a ameaça do PLP 549/09, que também tramita no Congresso e prevê a limitação de investimentos com o setor público e o congelamento, por dez anos, dos salários dos servidores públicos das três esferas – federal, estadual e municipal. Querem, com estas atitudes, tirar nosso direito de alcançar melhores salários e qualidade de vida – mas não desistiremos: a luta é até a aprovação do projeto de revisão salarial no Congresso, o que esperamos que seja feito o quanto antes, uma vez que a intenção dos servidores não é prejudicar a população, mas sim pressionar o governo.

Dessa forma, contamos com a compreensão de todos e aguardamos um breve desfecho.

IX

Miserável país aquele que não tem heróis.

Miserável país aquele que precisa de heróis.

(Bertolt Brecht)

Já a manifestação do dia 14, realizada na porta do edifício Euclydes Reis Aguiar, do Tribunal Regional Federal (TRF), trouxe a presença de 600 servidores.

Um fato marcante para nós da Justiça do Trabalho foram as palavras pronunciadas pelo servidor Mauro Alvim. Ele apresentou um protesto e uma crítica pessoal aos governantes e políticos. Informou ter lido uma notícia publicada num jornal de grande circulação onde se dizia que o Presidente Lula assinara um projeto de lei concedendo prêmio em dinheiro e uma pensão mensal aos campeões das copas do mundo de futebol dos anos de 1958, 1962 e 1970.

- Como é que o governo tem dinheiro para dar pensão e prêmios a jogadores de futebol e alega não ter para nós, servidores, que trabalhamos para a população e que prestamos um serviço à sociedade? - concluiu indignado o servidor.

Procurando deslindar esse assunto nos sites e buscadores da internet, tomei conhecimento do seguinte: o governo de fato enviou ao Congresso Nacional um projeto de lei para conceder pensão vitalícia aos jogadores de futebol campeões do mundo daqueles referidos anos. O projeto prevê um prêmio de R$100 mil para cada um dos titulares e reservas dos três mundiais e para os seus herdeiros, no caso de falecimento do jogador.

Além disso, será concedido um auxilio mensal a cada ex-jogador (ou aos herdeiros) para completar suas rendas e igualá-las à pensão máxima, que atinge hoje o valor de R$3.416,00.

Segundo o presidente do Brasil, “um país de 190 milhões de pessoas não tem o direito de permitir que os poucos que conseguiram enaltecer a alma de nossa gente ao mundo não mereçam o reconhecimento do Estado Brasileiro. Vamos fazer essa reparação. Não é sempre que conseguimos produzir heróis".

Noutro site, entretanto, descobri que um dos jogadores do tri-campeonato de 1970, o médico Eduardo Gonçalves de Andrade, o nosso conhecido “Tostão”, já abriu mão de receber os referidos valores.

Segundo ele:

- Não há razão para isso. Podem tirar o meu nome da lista, mesmo sabendo que preciso trabalhar durante anos para ganhar essa quantia. O governo não pode distribuir dinheiro público. Se fosse assim, os campeões de outros esportes teriam o mesmo direito. E os atletas que não foram campeões do mundo, mas que lutaram da mesma forma? Além disso, todos os campeões foram premiados pelos títulos.

Fica aqui uma sugestão para os nossos governantes: ao lidarem com quaisquer categorias de trabalhadores (desportistas, empregados da construção civil, professores, servidores públicos, etc.), jamais percam de vista que estão tratando exatamente com as pessoas que de fato produzem o crescimento e a riqueza desse país. São esses indivíduos que promovem a valorização da nossa terra tanto interna quanto externamente! São trabalhadores e, portanto, os verdadeiros heróis do nosso dia-a-dia. Estas são as pessoas que deveriam estar recebendo tais elogios e saudações!

X

Aquele que amo disse-me que precisa de mim.

Por isso cuido de mim, olho meu caminho e receio ser morta

Por uma só gota de chuva

(Bertolt Brecht)

Ainda no dia 14 os participantes da greve obtiveram um importante apoio de uma das Secretarias das Varas do Trabalho de Belo Horizonte: uma portaria proveniente dos juízes da 14ª. Vara determinou que durante a greve fossem atendidas somente as questões urgentes. Além disso, o horário de atendimento ao público passaria a ser das doze às dezesseis horas e as pautas de audiência seriam reduzidas aos processos com audiências iniciais e aos de rito sumaríssimo.

A iniciativa dos juízes e servidores daquela Vara do Trabalho mereceu elogios da diretoria do Sindicato e um apitaço forte e em uníssono dos colegas em greve.

Sim, parabéns a esses juízes e servidores.

XI

Não acabarão nunca com o amor,

nem as rusgas, nem a distância.

Está provado, pensado, verificado.

Aqui levanto solene minha estrofe de mil dedos

e faço o juramento:

Amo firme, fiel e verdadeiramente

(Vladimir Maiakovski)

Um dia antes da manifestação de apoio daquela Vara do Trabalho - em 13 de maio – recebemos uma comunicação da administração do Tribunal do Trabalho à respeito do movimento grevista. Nela ficaram definidos os chamados serviços essenciais:

Em face do movimento grevista pela aprovação do PL 6613/09, a Administração do Tribunal comunica aos Exmos. juízes e diretores que os serviços essenciais da Justiça do Trabalho – atendimento de balcão (expedição de guias, entrega e devolução de autos), digitador de audiência, setor de protocolo e atermação e central de devolução de autos – deverão ser mantidos. Recomenda, portanto, que os diretores das secretarias e das demais unidades correlatas deverão garantir o funcionamento efetivo destes serviços durante a mobilização dos servidores.

XII

O vosso tanque, General, é um carro forte

Derruba uma floresta, esmaga cem homens,

Mas tem um defeito

Precisa de um motorista

O vosso bombardeiro, general, é poderoso:

Voa mais depressa que a tempestade e transporta mais carga que um elefante.

Mas tem um defeito

Precisa de um piloto.

O homem, meu general, é muito útil:

Sabe voar e sabe matar

Mas tem um defeito

Sabe pensar

(Bertolt Brecht)

Hoje, 20 de maio, a manifestação de greve aconteceu na porta do prédio do TRT, na Avenida Getulio Vargas. Estiveram lá 450 servidores. Encontrei entre eles muitos dos meus amigos e antigos companheiros e companheiras de outras Varas do Trabalho de Belo Horizonte.

É uma pena, entretanto, que muitos dos nossos colegas deixem de participar das manifestações e da greve. Eu penso que se um trabalhador não puder ou não quiser participar da greve em si, que venha pelo menos aos atos e manifestações: que desça do prédio aonde trabalha, saia por um breve momento do casulo da sua suposta segurança e se dirija à rua e aos atos públicos. É bom observarmos nesse momento que muitas vezes o casulo da nossa segurança existe bem maior dentro de nós mesmos do que no exterior.

Se um colega não participa da greve, que participe então das manifestações e colabore do seu modo para que essas se tornem maiores e mais visíveis para a população e para o governo. Em cada manifestação poderíamos ter 700 ou 800 pessoas e isso com certeza chamaria mais atenção das autoridades e da mídia. Uma maior quantidade de servidores em greve também determinaria mais rapidez nas negociações e maior poder de troca e de impacto pelo nosso lado.

XIII

Uma flor nasceu na rua!

Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.

Uma flor ainda desbotada

ilude a polícia, rompe o asfalto.

Façam completo silêncio,

paralisem os negócios,

garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.

Suas pétalas não se abrem.

Seu nome não está nos livros.

É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde

e lentamente passo a mão nessa forma insegura.

Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.

Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.

É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

(Carlos Drummond de Andrade)

O ato do dia 20 aconteceu em frente ao prédio do Tribunal do Trabalho, na Avenida Getúlio Vargas, e contou com a presença de 450 servidores. Os melhores momentos desse dia se concentraram na releitura da mensagem enviada pelos servidores de Teófilo Otoni aos colegas da capital e na fala do companheiro Antônio Carlos, mais conhecido entre nós pelo apelido de “ovo”.

O colega “ovo” é muito animado e sabe como ninguém se dirigir e prender a atenção de uma grande quantidade de pessoas. Sabe também como e onde tocar nos nossos sentimentos. Grande parte do que ele diz parece refletir exatamente aqueles pontos sobre os quais cada um de nós já sentira ou estivera refletindo um momento antes. É como se ele conseguisse se colocar em sintonia com os nossos sentimentos e meio que adivinhando aquilo que queremos ou precisamos ouvir.

Na sua fala de hoje o Antônio Carlos abordou a questão mais importante da greve: a palavra é solidariedade. Falou da solidariedade tanto entre os servidores em greve quanto em relação àqueles que ainda não o estão. Falou sobre o respeito, a dignidade e o valor humano que cada trabalhador tem que ter para consigo e em relação às atividades do seu trabalho e aos outros colegas.

Abordou as questões do individual e do coletivo e a junção e a mistura entre elas. Citando o escritor e filósofo francês Jean Paul Sartre, comentou que o ser individual só se realiza plenamente no coletivo. Disse ainda que os demais servidores – exatamente aqueles que ainda não puderam ou não ousaram descer para a greve por medo de abandonarem os seus casulos – precisam criar coragem e deixar para trás o que lhes vem retendo ou impedindo de aderir ao movimento.

Lembrou-nos, porém, que em nada somos superiores ou melhores do que aqueles que ainda não deixaram as suas salas de trabalho e que o medo é um importante fator componente da vida humana. Inúmeras vezes é o medo de fato o que nos mantém vivos e intactos. Mas que o medo não pode ter o poder de nos manter enclausurados em nossas torres de cristal.

Refletiu, finalmente, sobre como é difícil e cansativo participar de uma greve. Que em verdade o que ele - e igualmente o que cada um de nós! – gostaria de fazer naquele momento era estar exercendo as suas atividades ao lado dos demais colegas no local em que trabalha. Mas que isso às vezes não se torna possível, como acontecia no presente caso.

Para terminar, comentou que esperava poder transmitir todo o seu sentimento de dignidade e valorização do humano para o seu próprio filho que nascera recentemente.

No final dessa manifestação - e como em todas as demais que a precederam – nós nos demos as mãos e, com orgulho, cantamos o Hino Nacional.

Últimas considerações do dia: o Distrito Federal (Brasília) definiu que vai aderir à greve (através de votação) no dia 25, se até essa data o nosso plano de cargos não tiver sido encaminhado nem houver obtido qualquer outro tipo de solução. Não sei o que aconteceu para manter os colegas de Brasília fora do movimento até a presente data. Existem duas versões para esse fato. De qualquer maneira e seja qual for a verdadeira, penso que eles já deveriam estar em greve junto com os demais Estados. Este fato teria o condão mágico de acelerar os entendimentos entre os trabalhadores do judiciário e o governo. Possivelmente já estaríamos até numa fase mais adiantada da negociação. Afinal, Brasília tem aproximadamente dezoito mil servidores dentro das categorias do Judiciário e do Ministério Público da União (MPU) e eles se encontram bem no centro do poder..

Amanhã, sexta-feira, a greve completa duas semanas: é o dia da nossa primeira passeata. Os servidores sairão da porta do Tribunal Regional Eleitoral e se encaminharão até o edifício-sede do Tribunal Regional Federal. Gostaria de poder participar, mas amanhã é o meu dia de atender ao público dentro da escala de revezamento adotada por nós no balcão da Secretaria.

XIV

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,

onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.

Praticas laboriosamente os gestos universais,

sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,

e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.

À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze

ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra

e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.

Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina

e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas

sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.

A literatura estragou tuas melhores horas de amor.

Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota

e adiar para outro século a felicidade coletiva.

Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição

porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

(Carlos Drummond de Andrade)

21 de maio. Contaram-me que a passeata foi um sucesso e que tudo ocorreu sem qualquer problema ou contratempo. Tivemos a presença de cerca de 800 servidores que se puseram em marcha a partir das 14 horas.

O trajeto foi o seguinte: iniciou-se a caminhada nas imediações do no prédio do TRE, na Avenida Prudente de Morais, seguindo-se até a Avenida do Contorno. Em seguida percorreram um bom pedaço dessa avenida, passando em frente ao Colégio Loyola com gritos e palavras de ordem, apitaços, aplausos e muita manifestação de alegria e força por parte de todos os presentes.

À frente da passeata iam três artistas circenses vestidos com roupas multicoloridas e calçados com longas pernas de paus. Logo ali perto se encontrava a nossa querida e animada “bandinha da greve” que sempre participa e alegre as nossas manifestações.

Os servidores foram acompanhados durante todo o percurso por um pelotão de soldados da Polícia Militar e do batalhão de trânsito. O acompanhamento policial se faz necessário para que sejam evitados acidentes, para que o trânsito seja momentaneamente parado no momento em que os manifestantes estiverem atravessando ruas ou avenidas e, finalmente, para que as ruas não fiquem impedidas e a circulação de veículos não seja prejudicada em decorrência da manifestação.

No trajeto entre os prédios do TRE e do TRF, os manifestantes fizeram uma rápida parada em frente ao edifício-sede do IBAMA. Os servidores em greve daquele órgão foram ovacionados e elogiados pelos servidores do Judiciário Federal. Outros elogios e aplausos foram ainda endereçados aos professores e professoras da rede estadual de ensino. Estes se encontram em greve a aproximadamente quarenta dias.

Enfim, a passeata ocorreu conforme o previsto. A manifestação foi bonita tanto em termos de qualidade como de quantidade. Destaque-se o fato de que a passeata se espichava longa e alegre: enquanto os últimos servidores ainda se encontravam na junção das avenidas do Contorno com Prudente de Morais, os primeiros manifestantes já se achavam pela metade da Avenida do Contorno e daí a pouco atingiam a esquina da Avenida Álvares Cabral, junto ao prédio do TRF.

A manifestação terminou na porta do edifício Euclydes Reis Aguiar, da Justiça Federal. Ali os grevistas se deram as mãos e cantaram o Hino Nacional com orgulho e com o sentimento do dever cumprido.

Agora alguns informes deste e dos últimos dias: os servidores da Justiça do Trabalho de Uberlândia entram em greve a partir de segunda-feira, dia 24. Poços de Caldas (2ª. Vara do Trabalho) e Três Corações também já aderiram ao movimento e contabilizam 12 cidades paradas pelo interior de Minas Gerais. Além dessas, temos ainda: Diamantina, Montes Claros, Pium-í, Tombos, Uberaba, Teófilo Otoni, Rio Piracicaba, Contagem e Nanuque.

Houve também a confirmação de que os agentes de segurança e os oficiais e oficialas de justiça do TRT e do TRF aderiram à greve. Diversas Varas do Trabalho de Belo Horizonte se encontram igualmente em greve, mantendo apenas o percentual exigido nos chamados serviços essenciais definidos pelo comunicado da Presidência do TRT no dia 13/05: datilógrafo de audiências, balconistas e funcionários para o cumprimento dos despachos e determinações urgentes provindas da sala de audiências, tais como intimações, expedição de mandados, alvarás, ofícios, etc.

Finalmente, como os servidores de Brasília devem parar na próxima terça-feira, dia 25 de maio, esperamos a partir daí maiores avanços e resultados na negociação.

XV

Há aqueles que lutam um dia; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam muitos dias; e por isso são muito bons;

Há aqueles que lutam anos; e são melhores ainda;

Porém há aqueles que lutam toda a vida; esses são os imprescindíveis

(Bertolt Brecht)

24 de maio, manifestação na porta do TRE, presença de 350 servidores. Pratos do dia: massagem terapêutica, caldo de mandioca e caldo de feijão com torresmo, tudo isso acompanhado de muita disposição e energia por todos os participantes. Musicalmente - assim como nos demais atos - tivemos a importante presença da bandinha de greve e dos músicos Rubinho e Marcelo.

Houve certa discussão entre os representantes do sindicato. O fato é que a ausência de Brasília na greve e o suposto pedido de adiamento feito pelos ministros do Judiciário acerca da entrada em greve dos servidores de Brasília estão acirrando um pouco os ânimos entre as duas partes.

O caso é que os colegas de Brasília já deveriam mesmo ter aderido à greve e essa demora pode acabar nos prejudicando e causando maiores dificuldades na aprovação do plano.

Excelente mesmo foi a participação do colega Hélio: ele soltou o verbo e solicitou a constante atuação dos aposentados na greve, sob pena de acabarmos todos tendo que pedir esmolas em nossas aposentadorias. Vide nesse sentido o congelamento dos salários proposto pelo “companheiro” Luís Inácio.

O Hélio concluiu lembrando que no final das contas a terra em que nascemos é a mesma que engendrou os inconfidentes de Minas Gerais, pessoas que ousaram lutar contra a metrópole portuguesa por sua independência política, econômica e social.

- Foi em Minas – disse o Sr. Hélio – foi em Minas que começou a independência do Brasil e é de Minas que vai sair o nosso PCS!

Um grande apitaço pra ele!

XVI

Nós sabemos: o ódio contra a baixeza também endurece os rostos!

A cólera contra a injustiça faz a voz ficar rouca!

Infelizmente, nós que queríamos preparar o caminho para a amizade,

Não pudemos ser nós mesmos bons amigos.

Mas vocês - quando chegar o tempo em que

O homem seja amigo do homem -

Pensem em nós com um pouco de compreensão

(Bertolt Brecht)

Outro fato interessante desse mesmo dia 24 ocorreu no estado do Piauí. Ficamos sabendo que os servidores de lá animam as suas manifestações com um “xote” pra lá de curioso e bem humorado, coisa de brasileiro mesmo. A música foi gravada por eles e é constantemente tocada no carro de som do sindicato. O objetivo é atrair ao movimento a atenção e a presença dos colegas que ainda não aderiram à causa da greve, propiciando uma maior união da categoria até a vitória e a aprovação do PCS.

A letra completa da “Ladainha do PCS” – que é como se chama a referida canção - é a que segue abaixo:

Quem não greva não merece PCS

E sem greve o governo agradece

Quem não greva o movimento enfraquece

Se a coisa for assim só a gente é que padece

Vem pra cá pra discutir o PCS

É reunindo que a nossa luta cresce

E quem greva a sua luta fortalece

PCS é a gente que merece

Com a greve o congresso estremece

E vai indo até qu’ele se amolece

Nossa história que não mente esclarece

É desse jeito que se aprova PCS

TRE TRT TRF

STJ STE STF

MPU e o TJ do DF

Só com esse povo é que se aprova o PCS

Fazendo greve a história reconhece

E nossa luta no futuro enaltece

E a vitória não demora acontece

Só com greve se conquista o PCS

XVII

Não serei o poeta de um mundo caduco. Também não cantarei o mundo futuro. Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história, não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela, não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida, não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.

O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,

a vida presente.

(Carlos Drummond de Andrade)

Demorou, mas aconteceu: os servidores de Brasília finalmente aderiram à greve. Em um ato onde estiveram presentes cerca de 1500 pessoas, o movimento ganha força a partir desse momento.

Os servidores dos órgãos Judiciários e do MPU de Brasília somam dezoito mil e estão bem lá dentro do centro político do Poder. Isso com certeza determinará a abertura do governo para a negociação e a possível aprovação do nosso plano de cargos. Registre-se que não houve na referida manifestação nenhuma abstenção ou voto contrário à greve.

XVIII

No meio do caminho tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

tinha uma pedra

no meio do caminho tinha uma pedra.

Nunca me esquecerei desse acontecimento

na vida de minhas retinas tão fatigadas.

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

tinha uma pedra

tinha uma pedra no meio do caminho

no meio do caminho tinha uma pedra

(Carlos Drummond de Andrade)

Através do site do SINSJUSTRA - Sindicato dos Servidores da Justiça do Trabalho dos Estados de Rondônia e Acre - chegou-nos uma notícia ao mesmo tempo cômica e ruim: o Presidente em exercício (interino) do Tribunal daquele estado deixou os servidores bastante indignados ao anunciar através do sistema de comunicação interna que o pagamento dos passivos previsto para essa semana não iria acontecer em decorrência de atraso na folha de pagamento. Imaginem agora a causa e o motivo do referido atraso: nada mais e nada menos do que o excesso de barulho produzido pelo caminhão de som utilizado na greve pelo sindicato! O homem alegou que o “barulho excessivo” do carro de som acabou por “desconcentrar” os servidores que trabalham na elaboração da folha de pagamento.

Sobre isso os representantes do Sinsjustra disseram o seguinte:

- A declaração pegou os grevistas de surpresa, uma vez que em momento algum o movimento desrespeitou os servidores que não aderiram à paralisação. É certo que o carro de som permanece na frente do Tribunal, entretanto o volume utilizado é o suficiente apenas para os que estão na paralisação. Com essa atitude nós entendemos que sofremos assédio moral coletivo, por isso já acionamos a Fenajufe para que as medidas cabíveis sejam tomadas junto ao Conselho Nacional de Justiça.

A grande vantagem de toda a confusão foi que a referida notícia sobre o adiamento do pagamento dos passivos acabou causando tumulto e revolta nos servidores. Muitos se decidiram então a abandonar os seus locais de trabalho naquele mesmo momento e a engrossar o movimento.

– Se a intenção era intimidar os grevistas, o tiro saiu pela culatra – disse Gérner Mattos, servidor do Tribunal e um dos coordenadores da Fenajufe - pois os servidores se revoltaram e se uniram ao Sinsjustra.

Essas são ainda hoje algumas das velhas práticas e atitudes pré-históricas utilizadas no sentido de pressionar o servidor a recuar no movimento e a se afastar do objetivo da aprovação do PCS. Mas será possível – perguntou-me naquele mesmo dia um colega de greve – será possível que esse homem ainda não percebeu que a ditadura brasileira já se findou faz tempo, que o AI 5 foi revogado em 1978 e que o povo e a democracia no Brasil já há muito renasceram das cinzas?

XIX

A noite desceu. Que noite!

Já não enxergo meus irmãos.

E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.

A noite desceu.

Nas casas, nas ruas onde se combate,

nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.

A noite caiu. Tremenda, sem esperança...

Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.

A noite é mortal, completa, sem reticências,

a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,

a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...

Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,

ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender

e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,

adivinho-te que sobes,

vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,

teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão

como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,

minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,

os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer.

O mundo se tinge com as tintas da antemanhã

e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.

(Carlos Drummond de Andrade)

Canjica, caldo e muitos apitaços para Brasília fizeram parte do ato desse dia 26 de maio. Foi também um dia de muita arte na manifestação que ocorreu em frente do prédio da Justiça Federal e que teve a participação de 500 servidores. Tivemos a presença do violão e da voz dos colegas Rubinho, Marcelo Alvarenga e Marcelo Camargos.

A última canção do dia (antes do Hino Nacional encerrar definitivamente o ato) foi “Bicho de Sete Cabeças”, de autoria dos inesquecíveis Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha. Para matar as saudades, registremos alguns de seus versos:

Não dá pé não tem pé nem cabeça

Não tem ninguém que mereça

Não tem coração que esqueça

Não tem jeito mesmo

Não tem dó no peito

Não tem nem talvez

Ter feito o que você me fez

Desapareça cresça e desapareça

Tivemos ainda a presença da poesia brasileira na voz e na interpretação do companheiro Hélio. Ele merece os parabéns e um apitaço tanto pela sua presença na greve quanto pelos inigualáveis versos do poeta paraibano Augusto dos Anjos. A poesia se chama Versos Íntimos e abrilhantou ainda mais a manifestação desse dia:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

XX

Nos outros,

Todo mundo sabe,

O coração tem moradia certa:

Fica bem no meio do peito.

Mas comigo a anatomia ficou louca:

Sou todo coração.

(Maiakovski)

Nos próximos capítulos tentarei esboçar um rápido retrato das emoções que permeiam a greve, tanto as boas quanto as ruins.

Dizem com algum acerto que as emoções não são totalmente comunicáveis. Isso ocorreria devido ao fato de que cada indivíduo as tem e as percebe num grau bem específico, num ritmo e num nível de qualidade bastante diferenciado que varia de pessoa para pessoa. No entanto – e independentemente de serem ou não mais ou menos transmissíveis através da linguagem e do contato pessoal – esse é o único campo e caminho que dispomos e que nos resta e o nosso objetivo neles deve ser o de tentar superar o que nos retêm ou nos impede a comunicação.

Dito isso, cabe lembrar que as emoções na greve são muitas e várias. Vão desde as maiores alegrias até as mais profundas tristezas, raivas e decepções. Todas elas, no entanto, são sempre muito coloridas como os desenhos e as pinturas de crianças felizes.

Jamais essas emoções se apresentam opacas ou através de cores frias: estão constantemente contornadas e recheadas de luz e é comum que se expressem nos tons mais vibrantes que conheceis. Seguindo por esse caminho, muitas vezes encontraremos emoções completamente vermelhas, sentimentos exageradamente verdes, tristezas que se estendem desde as cores púrpuras às mais amarelas e raivas inocentemente azuis, tudo isso misturado na gloriosa bandeira que se espicha vitoriosa e enfeita o clarão do céu.

São ainda emoções que se movimentam de um lado para o outro e de um extremo ao outro, num vai-e-vem explosivo que ao mesmo tempo produz medo e energia no coração dos trabalhadores: eu, por exemplo, que comecei a greve sem muitas esperanças, me encontro bastante confiante agora. Hoje já não estou tão fraco e nem tão só quanto no primeiro dia.

A greve nos traz e nos convida a viver toda essa riqueza. A greve nos oferece companhia. Ela nos indica que o objetivo dela já não se prende unicamente à mera aprovação de um plano de cargos e salários. Isso é de fato importante e fará com certeza a grande diferença na vitoria final. Mas não é tudo.

A vitória nesse caso é também outra totalmente diferente. Ela é maior que isso e muitas vezes se encontra encolhidinha no fundo do peito de cada um de nós, mais exatamente nos nossos corações. A vitória da greve é a greve em si, é a liberdade com que você pôde ou conseguiu abraçar o movimento no seu peito; é o jeito todo especial com que alguém analisa o movimento das peças e pedras no tabuleiro da negociação e os riscos que se vão formando e se oferecendo continuamente diante dos seus olhos e do seu caminho; e é ainda a forma como um sujeito se dispõe a se amparar e a amparar o seu amigo e a sua companheira com o mesmo fervor e respeito com que normalmente buscamos amparar o amor nosso de cada dia. É a vitória conjunta do eu e do coletivo, como um arco-íris colorindo a imensidão azul.

São um pouco assim as emoções da greve. Elas são talvez demais ou de menos – mas nunca completamente frias e opacas - e é provável que a língua humana não seja realmente dotada de rapidez e agilidade suficientes para registrá-las e transmiti-las seja para a nossa amada mais querida ou para o nosso melhor companheiro.

XXI

Cubram-me com sorrisos,

Que eu, poeta,

Com flores,os bordarei

Em minha blusa amarela!

(Maiakovski)

O momento mais esperado de cada dia é talvez aquele em que se dá o nosso encontro com os demais colegas no início das manifestações. Assim que começamos a nos avistar uns as outros, a terna alegria volta a se instalar e a se irradiar e a inundar as nossas almas. Alguns são amigos e amigas de longa data, outros apenas conhecidos: todos, entretanto, essenciais e imprescindíveis.

Somos sós – sem dúvida: nascemos e morreremos sós. Mas já não estamos tão sozinhos nessa caminhada e nem mais tão solitários como estávamos ontem. Aquele amigo que me olha aflito ou alegre ao chegar (assim como eu o fiz um momento antes); aquela querida colega com quem trabalhei há alguns anos numa das varas do trabalho e que com dificuldades me diz algo de muita importância (seja lá o que for esse algo, com certeza é da maior importância!) sob o ribombar das caixas de som no automóvel do sindicato; aquele outro companheiro que me dá um abraço na chegada ou de quem eu simplesmente me despeço na hora da partida; tudo isso junto - e ainda muito mais - são apenas alguns dos exemplos das emoções de cada dia e da dignidade e do respeito com que vamos construindo juntos este caminho e esta caminhada.

Mas muitas vezes, então, diante das múltiplas pressões que estamos sofrendo e sentindo no nosso dia-a-dia, é exatamente esse olhar (ou a mera lembrança dele!) e aquele abraço ou ainda este sorriso ou aquele aperto de mãos que nos faz caminhar em frente, continuar no nosso intento e nos manter com o espírito sempre altivo na incerta esperança da vitória.

XXII

Primeiro levaram os negros.

Mas não me importei com isso.

Eu não era negro.

Em seguida levaram alguns operários.

Mas não me importei com isso.

Eu também não era operário.

Depois prenderam os miseráveis.

Mas não me importei com isso.

Porque eu não sou miserável.

Depois agarraram uns desempregados.

Mas como tenho meu emprego, também não me importei.

Agora estão me levando.

Mas já é tarde.

Como eu não me importei com ninguém,

Ninguém se importará comigo.

(Bertolt Brecht)

Madrugada do dia 27: acordei durante a noite (depois soube que não fui o único) e não consegui dormir mais. Eis aí as emoções e o estresse andando de mãos dadas com o meu desejo (inconsciente?) de retornar ao trabalho e por fim às pressões, às dificuldades e aos sentimentos difíceis que emergem conosco na greve.

Hoje acordei durante a noite e não consegui pegar no sono outra vez. Eis então desenhadas diante de mim toda a esperança e a incerteza em relação à reunião ocorrida no final da noite de ontem entre o Ministro do Planejamento e os líderes da cúpula do Judiciário. Dessa reunião poderia sair qualquer coisa, principalmente a abertura para uma negociação.

A incerteza que pesa sobre nós é não saber até aonde conseguiremos ir. São as pressões sofridas (e cada um de nós sabe muito bem o que é isso e o que isso representa enquanto carga a mais sobre os nossos ombros), é a certeza de que não somos inimigos das pessoas que nos combatem e pressionam, mas companheiros de trabalho daqueles que muitas vezes têm insistido em nos ver e nos tratar como se inimigos fossemos.

Se no início existia uma série de condições favoráveis a que não entrássemos em greve (os nossos medos, o casulo das nossas supostas seguranças, as pressões dos chefes, o receio de que a greve não venha a dar certo e de que não consigamos atingir os nossos objetivos, o desconto salarial dos dias parados, a perda de gratificações, todo um pacote de trabalho nos aguardando no findar da greve, etc.), hoje são muitas também as condições que nos impedem de retornar ao trabalho antes que a greve se decida vitoriosa ou não.

Se alguém me pedisse nesse momento para dizer algo que considero da maior importância àqueles que não estão em greve, eu diria o seguinte: amigos e colegas, nós que nos reunimos nas manifestações não somos seus inimigos e nem poderíamos ser! Nós estamos do mesmo lado, ainda que às vezes alguns de vocês não consigam ou prefiram não perceber isso. A nossa luta é a sua luta e é a mesma luta e os nossos objetivos são idênticos aos seus. Somos colegas e amigos, jamais nos esqueçamos disso. Ontem mesmo – ou talvez alguns dias atrás - estávamos trabalhando juntos e de mãos dadas, dizíamos coisas engraçadas uns aos outros e nos escutávamos com atenção e interesse, como deve mesmo ser entre bons companheiros de trabalho. Executávamos em conjunto as nossas obrigações e tarefas comuns. Estávamos todos ali, cada um cumprindo o seu papel num local específico, tudo para o bom andamento dos trabalhos e o correto atendimento da população que nos procura. Hoje nos parece que vocês nos consideram como inimigos que buscam atrapalhar a continuidade do trabalho. Mas como é que isto pode ser: já lhes afirmamos inúmeras vezes que, findada a greve, trabalharemos a mais e com toda a boa vontade e energia que Deus nos deu para colocar em dia os serviços e trabalhos acumulados. Nada será perdido ou desperdiçado e tudo retornará ao velho ritmo, com cada coisa em seu devido lugar. Ainda assim muitos de vocês se colocam contra nós como se de fato fôssemos seus inimigos. No entanto, não é isso o que somos: somos colegas e companheiros de trabalho e eu imagino que isso seja de fato o que deveríamos ter construído entre nós. Nós somos companheiros e por isso nos devemos respeito e consideração uns aos outros. Essa deveria ser a ponte que nos liga. Essa deveria ser a nossa verdade.

Essas são algumas das muitas questões e emoções que tantas vezes permeiam e envolvem uma greve.

XXIII

Provisoriamente não cantaremos o amor,

que se refugiou mais abaixo dos subterrâneos.

Cantaremos o medo, que esteriliza os abraços,

não cantaremos o ódio porque esse não existe,

existe apenas o medo, nosso pai e nosso companheiro,

o medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos,

o medo dos soldados, o medo das mães, o medo das igrejas,

cantaremos o medo dos ditadores, o medo dos democratas,

cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte,

depois morreremos de medo

e sobre nossos túmulos nascerão flores amarelas e medrosas.

(Carlos Drummond de Andrade)

27 de maio de 2010: esse terceiro dia de greve em Brasília levou nada menos do que três mil servidores às portas do Supremo Tribunal Federal. Segundo Roberto Policarpo, coordenador geral do SindjusDF, o Ministro do Planejamento Paulo Bernardo informou ter recebido orientação do próprio presidente Lula para negociar.

Os servidores gritavam palavras de ordem na manifestação e chamavam os colegas para se juntarem a eles:

- Vem pra greve, vem! O PCS é seu também.

- De camarote não, a luta é aqui no chão.

Ao mesmo tempo em que muitos de nós sofremos fortes e variadas pressões de nossas chefias imediatas para que terminemos a greve e retornemos ao trabalho, continuam a chegar até nós importantes manifestações de apoio ao movimento.

Uma delas, por exemplo, veio nada menos do que do Presidente do TRF da 1ª. Região, Desembargador Olindo Menezes. Segue abaixo na íntegra a sua declaração pública de apoio à greve e à aprovação do nosso plano de cargos:

- Um dos primeiros defensores do Plano de Carreira dos Servidores fui eu. Não tiro o direito de vocês se manifestarem, pois ele é legítimo. Acredito que essa questão está bem encaminhada pelos presidentes do STF e do STJ. Se dependesse unicamente de mim, esse PCS já estava aprovado hoje mesmo. O servidor deve ser valorizado. Não tenho ingerência direta nas negociações, mas no que depender de mim, o PCS será aprovado. Sou um Ministro e infelizmente não posso “grevar”, mas parabenizo a vocês pelo movimento.

Também o Procurador-Chefe da Procuradoria Regional da República, Dr. Alexandre Camanho, disse que apóia a luta dos servidores. Camanho entende que é preciso valorizar os servidores do MPU, concordando que a evasão dos quadros é um dos pontos de preocupação que reforça a urgência na aprovação do projeto.

Outra manifestação interessante e mais próxima de nós ocorreu numa audiência trabalhista aqui mesmo em Minas Gerais, na cidade de Contagem. O colega Fernando Neves, um dos representantes da diretoria do sindicato, leu para os manifestantes uma ata de audiência da 5ª Vara do Trabalho de Contagem na qual um dos advogados que atua naqueles autos declara total apoio à greve dos servidores.

Então o que falta agora é que mais e mais servidores se juntem à greve. E é nesse sentido que o colega Jair Lemos manifestou também publicamente a sua decisão de aderir à greve:

- Se no princípio eu era contra a greve, hoje “entrei de cabeça”. Entendo que sem ela será impossível chegarmos ao PCS.

Já no Piauí, o servidor Pedro Laurentino, sugeriu a seguinte proposta a ser levada à reunião ampliada da Fenajufe: que os grevistas de todo o país acampem em frente ao prédio do Ministério do Planejamento.

- Nós temos que começar a pressionar diretamente o Executivo. Se a gente conseguir umas 300 pessoas pra acampar lá, eu duvido que eles não negociem com a gente.

Tivemos hoje em Belo Horizonte cerca de 400 manifestantes em frente do prédio da Justiça do Trabalho, na Avenida Getúlio Vargas. É sempre bom lembrar que Minas Gerais é um dos poucos estados do Brasil no qual as manifestações ocorrem diariamente.

Isso já acontecia nas greves anteriores e se manteve na atual. Para nós, manifestantes, esses encontros alegres e diários são como um alimento para o corpo e o espírito. São da maior importância na medida em que é nesses encontros que ocorrem os nossos contatos com os demais colegas e onde podemos trocar idéias e informações sobre o movimento e manter os espíritos elevados.

XXIV

Se procurar bem você acaba encontrando.

Não a explicação (duvidosa) da vida,

Mas a poesia (inexplicável) da vida.

(Carlos Drummond de Andrade)

Informes do dia 27: as cidades de Ituiutaba e Monte Azul, assim como o TRT de Araxá, entrarão em greve na segunda-feira, 31.

A 26ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte também aderiu à greve na data de hoje e os oficiais de Justiça já contam sessenta por cento “grevando” e obedecendo ao regime de plantão nos serviços essenciais.

A diretora de base Lúcia Bernardes trouxe de Uberlândia a notícia de que naquela cidade eles estão em greve desde o dia 24 de maio, sendo que a juíza diretora do foro baixou portaria suspendendo os prazos processuais. Lúcia está otimista e reforçou o pedido do presidente do sindicato para que os servidores deixem os seus locais de trabalho e desçam aos atos:

- Eu quero pedir para vocês descerem e participarem; precisamos de força agora porque creio que estamos na reta final e que semana que vem teremos boas notícias.

São então quinze as Varas do Trabalho “grevando” pelo interior de Minas Gerais: Contagem, Sete Lagoas, Barbacena, Juiz de Fora, Diamantina, Montes Claros, Pium-í, Tombos, Uberaba, Teófilo Otoni, Rio Piracicaba, Poços de Caldas (2ª VT), Três Corações, Nanuque e Uberlândia. Parabéns a cada uma delas e aos servidores que as compõem.

XXV

Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança. As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios provam apenas que a vida prossegue e nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação.

(Carlos Drummond de Andrade)

A grande novidade lingüística e gramatical dessa greve foi a maneira como passamos habitualmente a conjugar o substantivo “greve”. Agora a palavra de ordem para nós é “grevar” e todos dizem:

Eu “grevo”

Tu “grevas”

Ele “greva”

Todo mundo “greva”!

Nos “grevamos”

Vós “grevais”

Eles “grevam”

Vem “grevar” com a gente!

XXVI

No sonho esta noite

Vi um grande temporal.

Ele atingiu os andaimes

Curvou a viga feita

A de ferro.

Mas o que era de madeira

Dobrou-se e ficou.

(Bertolt Brecht)

O meu sentimento na manifestação de hoje, 28 de maio – fim da terceira semana da greve – é o seguinte: o movimento chegou num ponto interessante em que passamos simplesmente a gostar de estar ali com os demais colegas. Decerto que os medos não se dissiparam totalmente, mas deram uma pausa e uma trégua: sabemos, afinal – e com toda a segurança que o coração foi capaz de nos oferecer - que estamos fazendo a coisa certa na busca dos nossos objetivos.

Se eu fosse falar algo sobre esse momento da greve, diria que o movimento se assemelha para mim às seguintes imagens: a uma locomotiva sem freios e ao carvão pegando fogo. Não há como parar a máquina ou cessar a queima do combustível. Iremos daqui até o fim e eu gostaria de imaginar que ninguém e nada conseguirá nos deter até a vitória definitiva. E só quem não tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir que não conseguirá compreender isso de uma vez por todas.

Cada colega que chega para “grevar” com a gente recebe a nossa solidariedade e a nossa simpatia. Ao mesmo tempo ele traz um pouco mais de companhia e um pote de oxigênio completamente renovado. Disso sentimos falta.

O presidente do sindicato fez hoje para os manifestantes uma boa quantidade de propostas “decentes” e “saudáveis”: vamos fazer com que o nosso movimento do dia primeiro de junho – o Dia Nacional de Lutas – seja o maior de todo o Brasil!

- Cada um agora tem a missão de convidar não um, mas quatro colegas para o ato – disse o Alexandre, lançando um desafio aos servidores - Vamos colocar mais gente aqui do que em Brasília!

XXVII

Brilhar para sempre,

Brilhar como um farol,

Brilhar com brilho eterno,

Gente é para brilhar,

Que tudo mais vá para o inferno,

Este é o meu e o slogan do Sol.

(Vladimir Maiakovski)

O servidor Paulo Henrique Patrício trouxe à manifestação de hoje, 28 de maio, uma bela composição de sua autoria que foi lida pelo colega Fernando Neves. Vale registrar aqui os versos do companheiro:

TRABALHO DE VALOR

Dignidade ao professor, dignidade ao operário

Dignidade a todo trabalhador do Judiciário!

No Brasil tem muita mala,

Tem propina, tem dinheiro na cueca

Mas tem também trabalho honesto

Em nome deste trabalho, eu faço este manifesto

Na Justiça Eleitoral é de primeiro mundo a eleição

Na Justiça do Trabalho ao operário - proteção

A Justiça Federal julga os desmandos da União

A gente não quer propina, nem mensalão,

A gente quer salário e qualificação!

O trabalho tem grande valor,

A greve mostra a força de uma categoria

PCS JÁ! Um grito se ouviu.

Nossos brados vão soar

Aos quatro cantos do Brasil.