12: As novas posições na cama: Liberdade romana
12: As novas posições na cama:
Liberdade romana
Não sei nem me importa saber, se por causa de Roma ou não, mas aqui em Roma, deitado na cama do hotel, no pega não pega no sono, na fronteira aberta entre o sono solto e o acordado sem mais, apreciei uma nova liberdade: novas posições na cama.
Da cama, da cama em si mesma, portanto daquele objecto feito para se meter nele um colchão e cobrir de roupa para descansar corpos, ou cansar corpos, ou divertir corpos, e do quarto todo, desde a entrada, passando pela casa de banho, incluindo a televisão e os candeeiros do lado da cama e a luz do tecto e o chão.
Se calhar porque aproveitara as pausas do dia todo, no restaurante, no metro, na estação central de comboios de Roma, no autocarro, na fila no Vaticano, para ler aos bochechos uma biografia em francês de Leonardo da Vinci, estendido na cama, dita de casal, passou-me pela cabeça uma centelha de vontade de fazer uma coisa diferente.
Decidi dormir não na posição em que a cabeça se coloca na cabeceira e os pés nos pés da cama, como sempre fiz e me disseram para fazer, mas atravessei o corpo na cama, cabeça para o lado de uma mesinha de cabeceira e pés para o outro.
Soube-me logo bem que não quis adormecer.
Há muito, muito tempo, nos idos tempos da adolescência, não experimentava tamanha sensação de liberdade. Saboreei esta nova liberdade.
Penso agora que por estar ainda incrédulo, decidi mudar de novo a posição, já agora para ver se alguém me proibia: mudei o corpo para uma posição diagonal. Como é saborosa esta liberdade.
Ainda receoso de que aquilo fosse tudo a brincar, alonguei-me sobre as cabeceiras como fazia no tempo em que ainda dormia com os meus pais. Uma delicia.
Mas, sou mesmo livre?
O teste seguinte foi para ver mesmo se era ou não livre: acendi a luz, uma, outra, todas as luzes, parecia o arraial do Salvador do Mundo na Ribeirinha, abri a televisão, afastei as cortinas das janelas, liguei o rádio. Olhei o relógio do telemóvel, eram duas da manhã em Roma, meia-noite na minha casa na rua das Pedras, na Ribeira Grande. Abri os braços, saltei e soltando um grito para dentro de mim, gritei a pulmões contidos: sou livre Santo Deus.
Sou livre! Acabara de descobrir num Hotel em Roma, às duas da manhã aqui e à meia-noite aí, que era livre. Sou livre meu Deus!!!
E por me ter sentido bem mudei a cabeça para o lado oposto. E adormeci não sei se com o sorriso da Gioconda ou não.
Roma, 9 de Julho de 2010
Mário Moura