GUERRA NA... NA MEMÓRIA

(para as pessoas de idade, que não percam, junto com a memória, o otimismo e a felicidade).

É final de tarde, alto verão, Santos. Na praia, ao som moderno de ritmo convidativo, um...verdadeiro pelotão dança, imitando três professores sobre um tablado.

É a tal “a e r ó b i c a”

Aproxima-se um casal bem idoso. Ele vem... “rebocado” por ela.

Nesse embalo de...juventude quente, a música provoca a rebocadora, que olha para ele, como a solicitar um convite bem moderninho:

-Dá-me, “senhoura” o prazer desta contradança?

-Não dá mais, Cacão, diz ele.

-Nem um pouquinho só, Gatoso?, diz ela.

- Isso é nome de gente? diz, por sua vez o leitor, com razão.

Explico: É uma forma carinhosa que ele usa para com ela. Você acha que seria delicado chamá-la de "Grande Caco? Ora, leitor...! E...quanto ao significado etimológico-filosófico – Gatoso -...bem, é que ele, modestamente, tem de si mesmo a imagem de um Gato formidável. Você acha, leitor, que seria delicado chamá-lo de “Gato Velho”?...Sim, sim...o casal é interessante.

A memória...hum!...vejamos. O casal vai, de ônibus, até a Ponta da Praia e olha o sol descer no mar.

Ela, romântica:

-Tão lindos os reflexos com que o astro-rei beija e matiza a ilha lá ao longe...

Ele, prático:

-Aquela Ilhota se chama Ilha das... Palmeiras. -Acho que não, Palmeiras é outra coisa. É time de futebol. as eu sei. É Ilha de...Ilha de...está na ponta da língua!...algo que lembra aplausos...

- Ilha das Palmas, Cacão! diz ele, vitorioso.

-Apesar da idade, você continua inteligente.Vamos visitá-la? anima-se ela.

-È pra já!...não sendo aeróbica...!

“Procurem o sócio, sr. João Bala. Ele está sempre por aí e pode autorizá-los a visitar a ilha”, recomendaram no clube que é proprietário dela.

Para não se esquecerem, nossa inquieta personagem foi sugerindo “associações...mnemônicas”: João Bala, Bala de revólver-Bala de canhão, canhão de Guerra...etc, até chegarem ao clube.

-Boa tarde! Nós queremos falar com o sr. João Guerra!

-Não há ninguém com esse nome aqui!

-É parecido com revólver, Gatoso!

-GATOSO?!! Estranha o porteiro.

-Esquece! Não seria João Winchester, Cacão?!

-CACÃO??!! Novamente estranha o dito cujo que já se divertia.

-Esquece! Queremos falar com o sr. Joao Mauser!... ou seria Bereta?

-Hã. Hã...

-E João Torpedo ou João Foguete, hein, hein?

-Foguete é o que a senhora é, além de grande caco, naturalmente!

-Mais respeito com minha esposa, viu, seu...seu...energúmeno. Se eu fosse mais moço!!...

-Se fosse mais moço, certamente o caco seria menor!!

A coisa ia ficando feia, quando ela, satisfeita porque dois homens brigavam por sua causa, interceptou um cavalheiro ainda mais idoso que eles.

-Por gentileza, eu e meu marido gostaríamos de visitar a Ilha das...Ovações...

-Não seria Ilha das Palmeiras, não?

-Não. Palmeiras é outra coisa. É nome de futebol. Quero falar com um sócio, cujo nome lembra tiro, para visitar uma ilha, cujo nome lembra palmas...

-É a Ilha das Palmas!! Eu os levarei!. Meu nome é João Bala, ao sei dispor!

-JOÃO BALA??!! Irrompe, feliz, o casal, em uníssono, ligado por um minúsculo fio de memória, já efêmera, de quem, após 40 anos de convivência, adquire o direito de... esquecer junto.

A vocês, da terceira idade, em geral e, em especial, da UATI, dedico estas linhas, para que não percam, nunca, nem a bala, nem o revólver e nem a guerra pela alegria e felicidade. Gostaria de lhes deixar meu nome, mas...no momento, estou um pouco esquecida dele.

Recordo-me do fato que, há muito tempo atrás, alguém me chamava, carinhosamente de...CACÃO!!

Daidy Peterlevitz
Enviado por Daidy Peterlevitz em 13/09/2010
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