ESTAS COISAS DE SETEMBRO!
(Diário de minhas andanças)

É fácil entender Caetano em "Sampa",quando diz:"Alguma coisa acontece em meu coração..."
Respeitada a enorme distância entre o seu talento e o meu jeito modesto de externar as emoções digo,sem medo de errar,que alguma coisa acontece também em meu coração à cada vez que passo em frente ao número 300 da rua Arlete Richa naquêle trecho do bairro Riozinho.
Um portão alto,sempre fechado,a caixa dos correios,faminta de novidades e o lembrete:"Cuidado!...Cão bravo".
Êstes detalhes são recentes e cercam a pequena estradinha de pedras ladeada de eucaliptos traçando uma reta até o antigo casarão de dois pavimentos ainda ostentando o letreiro desbotado:Colégio Sagrado Coração.
Tantas foram as idas e vindas por aquêle caminho bucólico,tantas vezes as mãos que contavam tão somente com uma dezena de anos tocaram a corrente da sineta avisando da nossa chegada.Nossa,porque chegávamos num pequeno grupo de alegres sonhadores (alguns almejando o sacerdócio) em busca de algo mais que ensinamentos:o carinho das freiras daquela instituição.
O "dim-dom" da sineta,nossas caras suadas,nossos olhos filtrando pelas frestas das venezianas os mistérios de corredor com samambaias verdes espreguiçadas em vasos de xaxim.
Os passos cadenciados,obedientes ao tilintar das muitas chaves penduradas no cordão do hábito imaculadamente branco,a porta se abrindo junto com o sorriso de ternura que igualmente se abria:
_Chegaram os meninos!...Os nossos cordeirinhos!...
Madre Placidina,e aquêle seu jeito mineiro de ser,esperando-nos sempre com os deliciosos docinhos de leite.
Havia um piano costumeiramente tocando e o coral de vozes,afinadas algumas vezes,em outras...Nem tanto.

Um grupo de freiras ladeando o piano e a nossa interação nos cânticos natalinos,nas modinhas populares...Um doce deleite para os nossos ideais meninos,frágeis e soltos aos ventos de um tempo de alegrias,de acarinhadas acolhidas.
Depois...Êle! O Seminário Santa Maria.

As salas amplas com pinturas de passagens bíblicas,campos de trigo,rebanhos e pastores quase à altura do teto.
Ecos vindos de longe.Alguém dedilha um violão...Um telefone antigo toca,e numa das salas:Aula de teologia.Complicado demais à quem tem apenas dez anos.
Melhor é ganhar o caminho do roseiral.Frei Jorge,um vozeirão!...Canta na tarde de dezembro,enamora-se das muitas rosas ao redor do açude...
A ponte móvel balança lenta,cadenciada...Parece acompanhar a estrofe do padre cantante.
Meninos percorrem o caminho do roseiral...O padre recomenda:Cuidado com as rosas,não as toquem.Aspirem seus perfumes,mas...Sejam cautelosos para não maltrata-las.
O senhor das rosas!...O dia inteiro no meio delas.Um personagem surreal saído das páginas de algum livro.
A frase de efeito!...A mais linda que já ouvi:
"O bom jardineiro é aquêle que vê no sangue da pele rasgada de espinho,o rubro das rosas que farão a beleza da primavera".
Coisas que não se esquecem,porque estão guardadas entre as paredes rotas do casarão,nos muros erguidos sobre os troncos de roseirais que sucumbiram à ação do tempo.
E atrás dos portões dêste número 300 os passos meninos espiam agora pelos desvãos as passadas firmes que arrastam no tempo alguma coisa que acontece nêste velho coração à cada vez que cruzo êstes espaços entranhados de lembranças.
Tão doces quanto os docinhos mineiros de Placidina. Tão belos quanto as rosas de Frei Jorge.Vagantes na tarde quieta de setembro num silêncio de araucárias lavadas de sol...Dêste sol que agora repousa atrás das colinas já saudoso dos melindres verdes do vale que deixou logo ali...Ao redor do viaduto.

Joel Gomes  Teixeira