PRA SEMPRE SEMPRE ACABA.
Por Carlos Sena
Quando um bem material se quebra ou fica fora da moda, a gente troca ou manda consertar. A gente também substitui uma roupa, muda de residência, etc., com naturalidade. A gente só não se acostumou com o adeus, com o término de relações afetivas. Mesmo sabendo que numa vida passageira nada pode ser eterno, parece que é assim que queremos que sejam os nossos amores. Até amizade fraterna tem seu tempo de duração, mas ainda assim, a gente não se acostuma com o rompimento, independente dos motivos. É certo que poderemos nos relacionar com alguém "até que a morte nos separe", mas sem ser por imperativo da palavra dada na frente do padre, por exemplo.
Conviver com o outro de forma tranquila, talvez seja a maior dificuldade que encontramos na vida. Neste sentido, os profissionais de Recursos Humanos estão conscientes de que o mercado se ressente pela falta das pessoas certas para os lugares certos. Quando essa combinação acontece sem entreveros, mesmo assim, no decorrer do relacionamento profissional, muitos são os que têm que deixar a equipe por conta das incompatibilidades.
A construção do afeto é naturalmente complexa, muito mais do que as demais formas de relacionamento que dispomos. Encontrar uma pessoa que preencha as nossas expectativas não é fácil, principalmente por conta dos estereótipos que a nossa cultura se encarrega de solidificar. "Cara metade, banda da laranja, príncipe ou princesa encantados, panela e o texto, alma gêmea", são alguns dos clichês que sobrevivem e povoam nosso inconsciente (?)... Ou não. Aqueles que não se enquadram nessa lógica, em alguns momentos devem ter passado por experiências dolorosas em suas vivências amorosas. Neste sentido, o que se pode chamar de grandes amores? - Temos uma convicção de que o amor só é grande se for construído no dia a dia; amor preto no branco com "pano de fundo" colorido, senão não seria amor. Prevalece, pois a realidade nua e crua, mais nua do que crua, porque no amor nem sempre se dispõe de prato pronto pra deglutir. E quando isto parece acontecer, há motivos de sobra para desconfiarmos. Muitas vezes o próprio "prato" tem que ser conseguido a dois para o grande banquete do afeto.
Na história da humanidade há clássicas histórias de amor como Romeu e Julieta, Abelardo e Heloisa, Jasão e Medéia.
Estes têm uma identidade que mais se aproxima da realidade dura que nem sempre uma paixão modifica, mas agrava. A versão brasileira de Gota D’água, feita por Chico Buarque, muito bem adaptou a nossa realidade nesse viés. É certo que nenhuma grande história de amor sirva para os outros se espelhares nela. Daí a riqueza da Relação de Jasão e Medéia!
Para o nosso contexto, a certeza de que “um grande amor geralmente carrega consigo grandes tormentos”, não nos parece absurda. O exercício do sentir não está inserido em nossos valores culturais dentro de uma visão libertadora. Somos no geral, mais conduzidos para repetir padrões existentes, passados pra nós pelos nossos pais. De certa forma, um grande amante, tem que romper certo “Status Quo” que nos rodeia. Fórmulas prontas nos serão sempre oferecidas quando a gente entra em crise numa relação. Quem mais nos oferece essas alternativas são os familiares e os amigos. Mas com o tempo, isto recua e o sentimento vai em frente, até que um dia um dos dois parceiros se desencante e tome outras decisões, ou não. Retomamos aqui a questão inicial acerca das dificuldades que temos para acatar que, como bens materias, os bens afetivos têm seus tempos e também se acabam.
Evidente que não se compara um bem material com o afetivo. O que há comum aos dois é o prazo de validade. A base de sustentação dessa assertiva é prática: como poderemos querer um amor eterno numa vida passageira?
Talvez seja menos doloroso a gente exercitar: "que seja imortal posto que é chama, mas que seja infinito enquanto dure", como nos disse Drummond. Até mesmo como costumo dizer na galhofa: imortal posto que é chama mas que seja infinito enquanto duro! Dito diferente, ainda pegando carona na canção popular, "pra sempre sempre acaba"...
Carlos Sena, Recife-PE.