Idiota
 
Ele queria falar comigo. Sabia até o meu nome e supervalorizou o meu cargo. Alguém me passou o telefone. A iniciativa da conversa partiu dele, queria falar com a melhor Secretária de Cultura da Região. E tentou me convencer disso, mas eu não estava bem humorada. Cortei a conversa dizendo: afinal o que você quer? Era um desses muitos vendedores que ocupam nosso tempo, de posse de uma lista que conseguem não sei onde e desandam a nos elogiar como se nos conhecessem e soubessem que éramos completamente idiotas. Ele queria me vender uma assinatura da Folha de São Paulo. Olha, sinto muito, mas eu sou uma Chefe de Departamento Cultural que absolutamente não lê jornal. E pedi licença porque estava muito ocupada. Na sala, as pessoas que ouviam a conversa, olharam para mim, as sobrancelhas circunflexas: Era só mais um idiota querendo me fazer de idiota, eu disse.
 
A semana passada ele ligou outra vez. Com a mesma conversa. Reconheci a voz e até o nome: Paulo Cesar. É o idiota de novo, eu disse a quem estava perto. Mas eu estava bem humorada e levei o papo para frente. Expliquei calmamente que eu não era Secretária de Cultura, e sim Chefe de Departamento. E eu, em vez de cortar a ligação, estiquei o papo. Falamos até de futebol, antes que ele me fizesse à oferta: assinar a Folha por um mês e ganhar um brinde especial. Ele não disse, mas eu percebi que se espantou: eu aceitei de cara e escolhi o brinde sem pestanejar: um livro de Guimarães Rosa. O que ele não sabia é que eu havia decidido comprar a Folha por pelo menos uma semana para decidir os dias em que eu a compraria na bancas. Afinal, não há como negar. É o melhor jornal do país. Só que não tenho tempo para ler jornal diariamente e assim seleciono os dias para comprar. Pelo preço que ele estava oferecendo, mais o brinde eu seria realmente idiota se não aceitasse. E comprei. Agora sou assinante da Folha até o dia 26 de setembro.
 
Domingo, 29 de agosto de 2010: Tiririca e os idiotas. Uma coluna impossível de não ler: Gilberto Dimenstein. Valeu o dinheiro gasto com a compra do jornal.
 
Bem no começo de sua coluna, Dimenstein fala sobre uma das faces de um problema que eu havia discutido com um amigo, em nosso encontro mensal para jantar. Nós falamos sobre a inexistência de novos líderes políticos causada pelo desencanto dos jovens com a política. O colunista diz: "Um dos problemas do país é a crescente rejeição de jovens talentosos a entrar na vida pública ou mesmo a acompanhá-la.” E arremata: -” Isso é o que se pode chamar de idiotice – pelo menos no sentido que as antigos gregos emprestavam ao termo”. 
 
 Foi grande o meu espanto ao descobrir o significado original da palavra idiota. Pois o colunista nos explica que esta palavra que aqui estou usando a torto e a direito vem do grego idiótes e era  usada para designar aquelas pessoas que não participavam da vida política, que era considerada uma atividade suprema e nobre.
E eu fiquei pensando no assunto por um bom tempo desde ontem quando li a coluna. Fiquei me sentindo uma completa idiota, nos dois sentidos.
 
Quando eu vejo  Institutos de Pesquisa dando uma vantagem tão grande a candidata petista ao governo do país eu me sinto idiota por ter em minha juventude batalhado para colocar no poder uma classe política que eu considerava ética e que hoje, no poder, prima pela desordem moral, pela perigosa política externa e pela ameaça a liberdade que eu mais prezo, que é a da Imprensa.
E, ao mesmo tempo, esse meu desencanto com a política nacional tem me afastado do envolvimento político, apesar de trabalhar em uma instituição política, que é a Prefeitura, em um cargo de confiança. Está aqui, gravado em minha cabeça: depois de 2012 eu não quero nem passar perto de Política porque estará findo o mandato de quem me deu esse cargo e que aceitei também por ter total confiança moral no grupo que detém o poder em Lavras.
E aí me vejo eu, nesse final de 2010, às vésperas das eleições, me sentindo completamente e duplamente idiota e sem mais saber o que fazer.

Idiota porque me sinto fazendo papel de boba quando vejo os desmandos políticos, o enriquecimento dos líderes  de uma hora para outra de maneira escandalosa e absurda, a impunidade dos grandes criminosos, o riso sarcástico na cara de quem controla os destinos de um povo bravo e lutador, mas que é completamente idiota nos dois sentidos.

E idiota, agora também, porque se nós, as pessoas de bem, jovens ou velhas, nos afastamos do envolvimento político, o que será da vida em nosso país dominado por crápulas cada vez mais poderosos?

Não há escapatória: de qualquer jeito sou uma idiota, porque sinceramente, não dou conta mais.