Camaragibe Bacante
Camaragibe terra da mata verde em que minha alma ecoa. Entre Curupiras, mães d’Águas e Fulorzinhas, nas folhas vespertinas de um verão caudaloso, eu ressuscito. Para diarreia cerebral, outro laxante cósmico. Para que se evacue toda estupidez da gente provinciana. Pois, sou tua fibra espalhada no vento. Como os sibilos dos insetos invisíveis e o bailado das árvores do universo sonoro e atemporal deste lugar, a cultura não morre.
Deus do vinho, da ebriedade, dos excessos, especialmente sexuais, e da natureza, eu te evoco em tudo onde a arte morre e inicia a áspera realidade.
Eu te espio nu sobre a telha do satélite, acaricio e bolino teus morros, como em mim mesmo afago e flagelo. E no barro em que minha carne, antes pó de sílica argilosa, de tantas cinzas e larvas de vulcões extintos, renasce radiante nas mãos laboriosas de teus artistas. Seres andarilhos em teu seio e noutras plagas. Eternamente sábios, bobos da corte, heróis e desordeiros, Rasputins e nobres vassalos. Calados e meticulosos, vamos pelo mundo afora mitigando desejos infinitos. Sem pretensões de semente, nem aridez irrigada na saudade. Apenas sonhos exalando pelos poros, a maciez de estar entre seus braços.
Em cada bar da cidade, iniciando por Bira, a pop-filosofia insiste qualquer brecha e o teatro se reconstrói em cada novo aplauso. Atrizes e atores fazem de tuas pedras palco e de teus postes refletores. Apesar da fome existencial e da escassez do essencial apoio dos mecenas e senhores do poder.
Vento de que vem de São Lourenço, cúmplice e límpido em que flutuo, sou pipa colorida e desgarrada, motivo de corrida desesperada de meninos felizes pelos teus cabelos.
E nós com este desejo insaciável de mudar o mundo…
Lembrando os tempos nos quais flutuei torrentes de amores do passado, passionalmente, caem ciscos nos meus olhos drenando os pesares que sofri em silêncio.
Cidades das políticas do Eu. Eufemismo de nossa miséria. Não dê o seu e faça carreira. Farinha pouca, meu pirão primeiro. Primeiro eu, segundo eu, terceiro, eu. Depois o próximo. Onde a cruzetagem revela a essência humana.
Massageando meu rosto com tuas mãos de fada e sopro de bálsamo, teu canto é suave refúgio nas canções dos sanhaçus esverdeados.
Sou água entre teus dedos, Açude do Timbi finado, antes repleto de peixes betas azuis incandescentes. Meios aos aguapés, onde já morri um dia, submergia toda dor e angústia da vida. Rio Capibaribe, Pedra da Baleia por aonde a linha férrea em equilíbrio conduzia meus passos em busca de mim mesmo. Translucidamente o meu destino na limpidez de tuas águas encontrava a paz procurada em qualquer caos do universo em que me via.
No rosto de tua gente, minha morada e remorso, meu sorriso de retorno e teu olhar de consolo. Transcendências pansexuais nos bacanais de cada sexta-feira, culminando em filipetas sanguinárias da segunda e audiência garantida em Cardinot.
No entanto sou tua palavra solta, sem paradeiro nem freio. Verbo fácil desbocado e sem limites, lancinando todo óbice que nos antepor deste olhar eterno. Em doce língua de foice e em lânguidos punhais de dedos. Balas de sílabas perdidas nos conflitos tristes desse mundo tresloucado, vendedor de falsas felicidades. Escolhi minha alegria verdadeira, proferir incansavelmente esta paixão que não é apenas caule, mas raiz ardente.