Jabutis
Jabutis
Uma árvore, lotada de bichos preguiça, ouve silenciosamente o alarido dos bichos. E pensa:
(Na outra vida serei surda)
Dizem os bichos:
- Vocês viram aquela outra árvore ali?
- Qual delas? – perguntou, abrindo um dos olhos, uma das preguiças – estou dormindo desde fevereiro...
- A única árvore que existe nesse pomar, além da nossa – sussurrou a preguiça que estava mais embaixo.
- Existe outra árvore nesse pomar, além da nossa? – indaga uma preguiça ao lado, bocejando.
(Misteriosos são os desígnios de Deus, pensou a árvore que acolhe as preguiças. Por que será que ele inventou um bicho como esse?)
- Sim, outra árvore – bufou uma preguiça caolha, piscando com o olho bom para a preguiça que levantara a questão, e estabelecendo assim a cumplicidade do entendimento entre ambas.
- O que é que tem? Por que todo esse falatório? – exaltou-se uma preguiça, que dormia desde dezembro.
(Na próxima vida serei pássaro, pensou a árvore hospedeira)
- Então vocês não viram?! – empertigou-se a primeira preguiça, que ao mesmo tempo olhava com simpatia para a preguiça caolha – está cheia de jabutis!
Todas se calaram, menos uma, que até então relutava em participar, mas resolvera se manifestar muito a contragosto, talvez apenas para que as outras pensassem que estava participando da conversa.
- Jabutis gostam de sombra e água fresca – pronunciou ela – há séculos e séculos descansam sob a copa das árvores, o que é que isso tem demais?
(Santa mãezinha, pensou a árvore, se pelo menos um dos meus galhos quebrasse...)
- Sim, minha cara, você bem disse – disse a caolha – só que, nesse caso, eles não estão sob a copa, estão dependurados nos galhos, como nós...
Ocorreu a seguir uma enxurrada de indagações exclamativas:
- Como nós?! // Dependurados na árvore?! // Jabutis em árvores?! // Jabutis?! // Qual árvore?!
(Noutra vida, se puder escolher, vou para o parque das sequóias, pensou a árvore, com certa amargura)
- Precisamos deliberar – disse a preguiça que suscitara o debate, não sem antes olhar para a caolha, que lhe piscara com o olho bom.
Teve lugar outra enxurrada de exclamações:
- Deliberar o que? // Podemos esperar até o próximo dezembro? // Podemos esperar até fevereiro? // Quantos são? // Ninguém faz nada mesmo // Precisamos tomar providências // Isso mesmo, apoiado, precisamos dar um jeito nessa situação // Proponho que, em março...
(E, se todos os meus galhos quebrassem, ao mesmo tempo?)
- Vocês não entenderam – exclamou a caolha, que recebeu um largo sorriso da preguiça primeira – isso não é uma coisa natural. Jabutis não sobem em árvores. Se a coisa pega, estamos ameaçadas. Talvez não hoje, quem sabe, precisamos pensar nos nossos descendentes...
(Um raio, um raio que atingisse todos os meus galhos...)
- Calma, ela tem razão, precisamos deliberar...
(Vários raios...)
- Precisamos agir! // Sim, precisamos agir // Pode ser em março? Minha tia avó deu cria e eu queria conhecer os filhotes // Se for em dezembro eu topo // Amanhã não posso, pois tenho reunião das preguiças angustiadas // Você também?
( Ó Pai, paciência...)
Nisso, a preguiça que entrara na conversa apenas para não comentarem que ela não participa de nada, encheu os pulmões de ar e exclamou:
- Chega!! Vocês não percebem? Esse jabutis possuem habilidades especiais. Não são jabutis comuns. Talvez seja um erro tentar enfrentá-los...
- Ou ... – fez a preguiça caolha, deixando no ar o raciocínio complementar.
- Ou... ? – soaram, mais ou menos em uníssono, as outras preguiças, com uma ponta de apreensão.
- Ou... os jabutis tem um padrinho, percebem? Alguém os colocou lá...
- Exato – tornou a preguiça primeira, com um sorriso de orelha a orelha para a caolha – Ou são poderosos, ou são apadrinhados...melhor ficarmos quietas.
(Isso seria bom...)
- É, pra que mexer? // Também quero um padrinho // Mas, e as futuras gerações? // Danem-se, pensei demais por hoje // Muita agitação por causa de jabutis // Ei, quando é a reunião das preguiças angustiadas?