Estranheza (3)- Um dia, duas cidades
 

Arantina, a pequena cidade onde nasci, onde todos se conhecem pelo nome, tem pouco mais de três mil habitantes. Marken, na Holanda, tem cerca de dois mil. Lá também deve ser assim – todos devem se conhecer pelo nome. É claro, as duas cidadezinhas são completamente diferentes. Mas acho que me apaixonei por Marken, me lembrando de Arantina.

Conheci Marken em um domingo pela manhã. Chegando lá o ônibus parou em um estacionamento e nós seguimos caminho a pé. Disse o Walter, o holandês que nos levou até lá, que carros na cidade, só o dos moradores. Mas andar a pé ali é que é o verdadeiro encanto. Apesar de, quando chegamos, parecer que todos estavam dormindo. Afinal era um dia santificado. A cidadezinha, de origem calvinista, não trabalha nos dias santificados. Aliás, não faz absolutamente nada. Não se diverte. Bom, isso é o disse o Walter. Ali pelas tantas, aproximando a hora do culto, as casas começaram a abrir e as pessoas a aparecer.
 
Marken é linda. As casas, muito pequenas e coloridas, nos tons principalmente de verde e marrom, bem perto uma das outras, sem nenhum muro separando-as. Nem cercas de bambu cobertas por trepadeiras. Não há nenhuma privacidade entre as casas. Aliás, disse o Walter que essa é uma herança calvinista – a vida de cada um deve ser como um livro aberto, sem segredos. Disse ele  
também que é por isso que os holandeses pouco usam cortinas e que podemos ver tudo o que se passa dentro de suas casas já que, pela tradição religiosa eles nada têm a esconder. Mas que esse olhar tem que ser bem discreto, só com o rabo do olho.
 
Marken, que já foi uma ilha e hoje é península é uma aldeia de pescadores que cultiva os costumes e valores antigos – no entanto fica apenas a vinte minutos de distância de Amsterdã. É ligada a Voledan pelo dique que a transformou em Península. Essas são as duas cidades mais típicas da Holanda, onde é comum ver pessoas vestindo trajes típicos e calçando tamancos. Nós mesmos vimos uma banda característica tocando pelas ruas de Voledan, muita gente em traje típico e um cortejo medieval.

Voledan é uma cidade com cerca de vinte mil habitantes e um movimento turístico impressionante. Fomos lá à tarde do mesmo dia em que conhecemos Marken. Chegamos na hora do almoço e depois que almoçamos (Acho que o restaurante se chamava A Vaca. Em holandês, é claro) ficamos lá passeando. Entrei em todas as lojas procurando um uniforme da seleção holandesa para trazer para o André e em uma dessas lojas conhecemos uma vendedora brasileira. Aliás, brasileiro é o que não falta na Europa inteira.  Nas duas cidades aconteceu uma coisa interessante comigo – em todas elas esqueci um objeto no balcão de uma loja. Em Marken, onde só havia comércio aberto junto ao cais, deixei minha máquina fotográfica: quando voltei para buscá-la encontrei o vendedor saindo a minha procura. E em Voledan, o que esqueci, estava no mesmo lugar onde deixei.   
 
Relembrando hoje penso que esse dia que passamos em Marken e Voledan foi o mais tranquilo e aconchegante de toda viagem. Um daqueles dias ótimos para a gente escrever uma redação escolar: um dia inesquecível. Um mundo diferente, mas ao mesmo tempo igual. E aquela sensação de que vale a pena viver e sair por aí viajando.

Aqui acaba a minha saga formal sobre a Holanda. Mas sei que volta e meia, no meio de minhas histórias, estarei colocando coisas que vivi, não só na Holanda, mas também em todos os lugares por onde a minha vida ainda transcorre: aqui e ali.
 
Da série Viajando por aqui e ali /36