O OLHAR SEM COR
Daqui do alto, de onde eu vejo o mar, também um personagem espia e, se acaso solitária eu fosse, ele, certamente, de minha solidão partilharia.
A cor dos olhos dele não existe !... A cor dos olhos dele não existe, mas aqui de cima, toda a natureza insiste... em transparecer - inteirinha - dentro do seu olhar e fica interessante notar, como as cores vão fluindo mudas... silenciosas... nesse meio translúcido... vítreo... estático e quieto do seu olhar... passam todas elas... os matizes do outono... o azul quente do verão, as lágrimas da chuva deste inverno, o amarelo da primavera florida!... velozes... as estações todas... da vida .
Passaram todas. Sumiram todas. O mar não está. O sol morreu ontem.Tudo sem cor. Fechado.
Prisão.
Mas ele, calado, espia... seu contorno não é nítido... parece entre vapores cinza... é muito triste... essa figura muda, fria... imprecisa... que olha sem cor, através da janela-prisão... parece que ele soluça o silêncio e seu corpo tremula com as lágrimas que escorrem, em senóide melancolia, brotando de todos os lados... olha-me fixo, quase espantado... e sinto frio... muito frio... e cheiro de inverno...
- Inverno uma ova!!! - chama-me à realidade o Bud, chegando.
Cheiro sim, mas de leite derramado mesmo!!!
Enquanto você, como um fantasma devaneia, olhando na vidraça para os olhos desse gato imbecil da vizinha, através dessa chuva que dá pra lavar o mundo, a sua leiteira no fogo, de tanto queimar... já perdeu o fundo.
É fogo!!! E será fogo na casa inteira se o inverno durar muito...
- Que azedo você está hoje...