A Carta
Eram seis horas da manhã quando Clarice levantou da cama e pôs os pés sobre o tapete do quarto; notara o quarto vazio pela primeira vez em sete anos. Dirigiu-se ao quarto de seu filho, que já havia tomado o transporte para o colégio e preocupou-se com a ausência de seu marido. Percorreu o pequeno corredor que não parecia ter fim, e com inobservância trocou os pés, caiu perto da mesa do telefone e pôs-se a chorar. Chorava sem um motivo muito aparente, chorava acintosamente e com aquela dorzinha no peito que não sentia desde que perdeu um filho de seis meses na barriga. Foi até a cozinha e recordou os momentos mais sublimes em sua mente, ela e Rodrigo, fazendo as panquecas que ele tanto apreciava, quando trocavam beijos apaixonados pela casa e ficavam sempre à procura do olhar um do outro, para dizer que a vida era como um final de filme feliz. Foi então que Clarice chegou à geladeira e viu um bilhete pendurado num imã...alegrou-se por um instante, mas perdeu a fala numa breve brisa que passara na hora da desilusão. Ele a deixara, sozinha e com carta nas mãos. Rodrigo conseguiu empedernir o amor no seio de Clarice como uma facada na veia principal... ela não chorou, só soltou um suspiro de dor quando soube em linhas e letras inclinadas que ele a deixara por um outro amor. O final do filme parecia sombrio, sem cor, sem lágrimas, sem palavras e sem sentido... ela pegou o primeiro ônibus com direção a qualquer lugar, e sentada, folheou o álbum de fotografias. Cada imagem era uma lembrança, agora marcada pelo desespero e decepção; cada pontada no peito era sua mente avisando que sua felicidade terminara ali. Foi então que a jovem mulher, de olhos fechados, respirou bem fundo e lembrou-se da ultima frase da carta: “ Não chore, apenas me odeie por não ter a coragem de amá-la como você foi capaz de me amar...” . Enfim, uniu forças, desceu do ônibus e voltou andando para casa, contando cada passo como uma aposta de que a vida continuaria, e a esperança no amor, seria sempre bem vinda.