Contraindicação.* (EC)
Gostava mais de conta-indicação. Coitada, perdeu o hífen, ficou assim, grande e sem graça. Não consigo lê-la de carreirinha. Se vou ler, fica assim: contrindicação. Vai acabar desse jeito, aposto. Quando os gramáticos se reunirem outra vez vão ter que respeitar a voz do povo. Pelo menos do povo mineiro que adora engolir letras.
Mas eu ainda falo: contra indicação. Mesmo no pensamento, pausadamente. E tenho assim falado sempre, nos últimos dias, na esperança que, repetindo a palavra, eu acabe tendo um insight e encontre um assunto para escrever que diga respeito a contraindicação. Mas o tal não vem, talvez porque seja contraindicado (para os puristas) colocar palavras estrangeiras no meio de um texto em português se houver alguma para substituí-la. Mas vou me redimir, prometo.
Escrever por encomenda ou para aceitar um desafio é contraindicado para a feitura de um bom texto. O escritor precisa mais do que uma indicação para escrever, precisa de motivo e o motivo é algo interno. Não é nada fácil produzir um texto assim, mas como gosto de um bom desafio tenho tentado encontrar motivos que me levem a escrever textos pelo menos legíveis sobre assuntos que não me dizem respeito. Fico pensando no tema sugerido um bom tempo e só escrevo quando consigo ver uma luzinha se acendendo no fim do túnel. Mas desta vez está sendo difícil. Comentando com uma amiga ela me disse: por que você não tira esses óculos escuros? Pode ficar mais fácil. Não achei graça nenhuma na piadinha dela, porque meus óculos escuros são também graduados,mas segui o conselho.
Penso que pouco usei essa palavra em minha vida a não ser aplicada a utilização de remédios. Na bula que acompanha qualquer medicamento está lá:Contraindicação. Significa que aquele remédio lhe foi indicado, mas que você não pode tomá-lo se....e aí vem uma lista enorme, o que leva a gente a pensar que remédio é sempre um perigo.Pode ser até um veneno. Por isso ninguém deve tomar nenhum medicamento sem antes ler as contradindicações na Bula. É por isso que elas vêm sempre em letras garrafais porque se viessem em letras miudinhas ninguém as leria. E tomaria o remédio, causando danos terríveis.
Tem uma música que diz assim: Todo remédio que me cura tem uma contraindicação/O que faz bem pra alma pode fazer mal para o coração. Quem escreveu e canta é a Ná Ozzeti..Eu a ouvi por acaso e fui procurar a letra na Rede. Não ajudou muito, mas ampliou o meu raio para a aplicação da palavra.
Fiquei pensando: tudo na vida tem os prós e os contras. Ou seja, aquilo que nos é indicado fazer por ser bom tem sempre algo que contra indica. Logo, a vida é feita disso: aspectos negativos atrapalhando os aspectos positivos. Contraindicando.Você que está me lendo, experimente pensar em qualquer coisa: um sonho, um projeto, um relacionamento, uma compra. Você mesmo vai estabelecer uma série de contraindicações a respeito. Imagine então as pessoas que convivem com você! O que se faz necessário é pesar essas contraindicações baseando-se no próprio autoconhecimento.
Como resenhista, principalmente de livros, uma coisinha aqui me preocupa. Gosto de ler e escrever sobre os livros que leio. Fazer resenhas e, quando as faço, penso: é apenas para que eu não me esqueça do livro que li. Mas a resenha acaba sendo uma indicação do livro, mas uma indicação que vem com a bula incompleta – fico incomodada ao pensar que alguém vai ler um livro porque eu li e gostei. Porque sei que são inúmeras as contraindicações mas essas são tão individuais que não há como dizer: não leia se for sensível. Não leia se for ateu, não leia se for religioso.
Mas por outro lado também fiquei pensando: se nem leio bulas de remédio para saber das contraindicações para que vou ficar pensando nas contraindicações para viver? Viver pode até ser muito perigoso, mas uma vida sem perigo não seria nada interessante.
·* Contraindicação: não leia se gosta do que eu escrevo. Esse é um dos piores textos que já escrevi aqui. Se ler corro o risco de que você se decepcione e não me leia mais.
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