O HOMEM FINANCIADO
“E ainda por cima...
Tem que pagar prá nascer
Tem que pagar prá viver
Tem que pagar prá morrer...”
(Trecho da música Pare o Mundo que Eu Quero Descer, de Silvio Brito).
A dívida nasceu no mesmo tempo que inventaram o dinheiro. O que faz com que uns tenham dinheiro e outros não tenham constitui a própria história da humanidade. Não daria pra falar aqui numa simples crônica de mais um endividado entre milhões de pessoas pelo mundo. Mesmo que a gente não possua aquelas dívidas de arrancar os cabelos, não há como escapar dos compromissos financeiros que nos acompanham do dia do nascimento até a morte. E nem estou falando das dívidas interna e externa de cada país. Essas a gente paga, paga, paga e continuará devendo por todos os séculos e séculos, amém.
Fiz uma imagem mental de minha árvore genealógica e gostaria bem de saber desenhar para ilustrar ricamente o assunto. Ricamente no sentido figurado, pois ela terá muito poucos galhos pendendo para o chão pelo peso da fortuna que eventualmente algum ancestral meu tenha possuído. O meu caráter atávico não diz muito a respeito de riqueza material. Só se for um atavismo assim de umas dez gerações para trás. Algum avô muito antigo que tenha sido um áulico de palácio em algum lugar de Roma, de Portugal ou um rei africano muito antes de começar o processo de escravização lá por aquelas bandas.
O meu pai pagou para mim em prestações o hospital, a escola, o supermercado, a farmácia e o açougue para me sustentar a infância. Tudo pertencia à empresa onde ele trabalhava e não tinha direito a inadimplência, pois era descontado na fonte, mês a mês, tal como o leão da receita federal faz hoje com o imposto de renda dos assalariados. Cresci e arranjei logo um emprego para ajudar no restante da caminhada. Família enorme, dinheiro curto, a gente tem que dar os pulinhos logo cedo. Estudei em escola pública e particular, o que não quer dizer que eu não pagasse pelas duas. Pagar para morar e comer, é uma dívida que a gente considera natural (desde que tenha dinheiro). Ou não considera natural se for um ilustre membro da elite representativa dos poderes legislativo, executivo ou judiciário. Nesse caso é natural eles não pagarem e é natural a gente pagar por eles. Só mais uma dívida que nem levamos em conta.
A seqüência nem é preciso falar dela, pois depois que se tem filhos a dívida vai passando pra frente. Mesmo se você for rico e deixar uma fortuna para eles, em algum momento há a relação de dívida. Se não for de sua prole, vai ser de quem for trabalhar para ela e assim sucessivamente.
Portanto, me considero um homem absolutamente financiado. Em suaves prestações, vou pagando cada parcela do meu empréstimo eterno com esforço, ora sob protestos, mas com alegria também.