CAPA PROTETORA
Conheci no litoral a Margarida. Ela autorizou- me a escrever esta crônica.
Margarida levanta- se antes de o sol nascer; por volta das cinco.
- Mas por quê?
- Pergunta o dorminhoco Bud, a quem uma soneca a mais ainda está sempre a menos.
- Bud, se você dormisse com o marido dela, aposto que se levantaria antes ainda!
- E o que ela faz a essa hora?! Na praia só dá macumbeiro acendendo velas!...
- Pois era exatamente esse o problema da Margarida, até que o marido foi à Itália.
- Eta maridos pra irem à Itália! O que há por lá, além do Papa?!
- Mama mia Bud! Como é pipocas, que eu vou saber? Bem... quando voltou de lá trouxe, imagine o quê para a Margarida!?
- Uma faca italiana!!
- NÃÃÃÃÃO! Isso foi o MEU marido que trouxe para MIM. O dela trouxe uma capa.
- Capa? Para automóvel?
- Capa. Dessas que protegem a pessoa quando chove. Impermeável. Azul. Fina, acabamento perfeito.
Margarida contou-me que era uma capa diferente. Conforme ia descrevendo a dita cuja, na minha mente formava-se uma imagem perfeita. A capa era tal qual uma... cobertura circo. É isso.
Cobertura... De circo, ampla, rodada, bem godê, muito, mas muito mais rodada que as saias godê guarda- chuva.
- Godê, circo mesmo. Deve ser interessante.
- É. Imagine uma lona de circo, com uma abertura lá em cima, onde a
Margarida mete a cabeça. Por luxo, atrás ainda acompanha um capuz, bem franzido. No capuz há um refinado cordão que é para fechar no rosto e não desguarnecê- lo, quando venta. O tal capuz protege tanto que, fechado, só o nariz fica de fora.
- Tudo bem, tudo bem, - disse o Bud - mas não vi ainda a relação entre a capa e a Margarida que levanta às cinco; que não pode ir à praia porque na praia há supersticiosos e macumbeiros; que os supersticiosos e macumbeiros acendem velas...!
- Calma! Conforme insinuei, o marido da pobre Margarida, além de feio, pela manhã é mal- humorado. À noite não! É bonito e cordial. Mas... valha- me Deus... pela manhã...! Pois bem. Nesse dia em questão, ao que tudo indicava, teria um raiar ameaçador, sujeito a chuvas e trovoadas, porque o marido dela, ainda dormindo, já estava brigando, reclamando e esperneando.
Às quatro e meia Margarida pulou da cama e pensou! “... perigo por perigo, aqui dentro ou lá fora...”
Colocou a capa-circo e saiu, em passos rápidos e largos, a capa amplamente esvoaçante!
Chuviscava.
Fechou o capuz e, nariz em riste, avançou com tudo pela praia, entre os supersticiosos e macumbeiros, já sem medo de ser... desfolhada! E não é que - surpresa! - tudo aquilo foi se abrindo?
Do jeito que ela descreveu, era exatamente como numa estrada reta, à noite, com os "olhos de gato" enfileirados nos dois lados do acostamento. Conforme o carro avança, veloz, aquelas luzes se abrem, afastam- se dando passagem...!
Foi isso que aconteceu. As velas dos macumbeiros iam dando passagem, dando passagem, conforme a Margarida, esvoaçante e rápida, andava.
- Você tem certeza que o marido é que é feio?
- Bem, agora que você pergunta... a cara dela não é bem uma flor que se cheire... fico em dúvida.
- Sua autoridade está firmada entre os supersticiosos e macumbeiros e... os respeitos, estabelecidos.
Toda madrugada você pode ver as velas que se afastam depois de alguém sussurrar para a escuridão!
- Cuidado, gente! É a mãe Morcega do Boqueirão!!!...