A INVERSÃO DE INTERLOCUTOR NO EXERCÍCIO DA PREGAÇÃO

Normalmente, os pregadores, no exercício da pregação, ora se direcionam à igreja ora se direcionam a Deus. Entretanto, isto não é feito sem a devida transição: quando, por exemplo, decide o pregador dirigir-se a Deus, ele se pronuncia da seguinte forma (entre outras): “oremos ao Senhor”. Feito isto, ele desenvolve a estrutura da oração e, por fim, faz o encerramento da mesma. Então, dirige-se à igreja com um vocativo que pode ser o seguinte: “Queridos irmãos em Cristo”.

Como se pode ver, marca-se propositalmente um processo de transição que pretende dar visibilidade à mudança de interlocutor. E a maioria dos pregadores respeita tal regra.

A mudança de interlocutor, no entanto, tende a ser limitada, pois sempre que é pretendida exige a presença do que eu vou chamar de marcador de transição, cujo excesso poderia tornar a pregação oscilante e cansativa.

Mas, é realmente necessária a presença dos marcadores? Analisemos o Salmo 23. Nele, o salmista tem dois interlocutores: o leitor, a quem o rei Davi se dirige (versículos 1 ao 3, em itálico), falando sobre Deus (o “Ele” do versículo 2), e o SENHOR (o “Tu” do versículo 4, em negrito). Entretanto, não há marcadores especiais para sinalizar a transição. Há apenas a mudança de pronome e os verbos mudam de pessoa.

Observe atentamente o que falamos, no referido salmo:

“1. O SENHOR é o meu pastor; nada me faltará. 2. Ele me faz repousar em pastos verdejantes. Leva-me para junto das águas de descanso; 3. refrigera-me a alma. Guia-me pelas veredas da justiça por amor do seu nome. 4. Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam. 5. Preparas-me uma mesa na presença dos meus adversários, unges-me a cabeça com óleo; o meu cálice transborda. 6. Bondade e misericórdia certamente me seguirão todos os dias da minha vida; e habitarei na Casa do SENHOR para todo o sempre.”

É, portanto, possível, na pregação, fazer a mudança de interlocutor sem usar os marcadores formais. Nesse caso, a transição será marcada pela entonação, pelos pronomes, verbos, e mesmo pelos gestos do pregador e pela sua expressão facial e/ou corporal. Claro que isto não poderá ser feito alheatoriamente, o pregador deverá perceber, ao passo que redige o seu sermão, os momentos propícios para fazer a transição. Dessa forma, quando assumir o púlpito, ele já saberá, como e quando fazer.

A seguir, vamos simular o que explicamos acima. O tema é “Bênçãos espirituais”:

“[...]

Como podemos observar, antes do milagre da salvação, estávamos no ‘império das trevas’. Mas ele, ou seja, Cristo, nos resgatou de lá e nos transportou para o ‘reino do filho de seu amor’. Portanto, não estamos mais sob o domínio de Satanás. Agora, é Cristo que reina sobre nós. Uma vez neste reino, diz o versículo 14, ‘temos a redenção, a remissão dos pecados’.

Portanto, se você confessou a Cristo, recebendo-o como Senhor e Salvador de sua vida, você tem a redenção e a remissão do pecado. E em que lugar você tem tão grande bênção? No ‘reino do filho do seu amor’, que é sinônimo do termo ‘regiões celestiais’.

Veja o que está escrito em Efésios 2.6:

‘e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus;’

Portanto, nós realmente estamos nos lugares celestiais. Logo, temos à nossa disposição toda sorte de bênção espiritual. Não é maravilhoso ter acesso a este conhecimento?! Como é bom ter a providência do SENHOR trabalhando em nosso favor! Oh Deus (olhando para o céu e estendendo os braços), Senhor da minha vida, obrigado por ter me alcançado e por permitir-me pregar a tua Palavra, esta palavra que vivifica e dá herança.

Louvado seja Deus (olhando para a igreja)! Como é bom estar na presença do SENHOR! É ele quem dá sentido a nossa vida, de forma que podemos acreditar em uma vida melhor, uma vida com dignidade, amor e todos os valores positivos. Você pode dar um ‘glória a Deus!’ neste momento? Amém! Louvado seja o SENHOR!

[...]”

Logo, como foi simulado acima, é possível fazer a inversão de interlocutor, sem o uso dos marcadores formais. Ao falar desta técnica, não estou tratando de algo inusitado. Muitos pregadores já a tem utilizado, porém a maioria, de forma inconsciente. O uso consciente poderá certamente tornar esta técnica mais eficiente. E que a inspiração do nosso Pai celestial esteja com todos. Graça e paz!