Mi Buenos Aires querida
A primeira vez que pus os pés em solo estrangeiro foi no Paraguai. Naquela parte do país que faz fronteira com o Brasil e a Argentina. Sim, lá mesmo. Era o auge das visitas ao Paraguai e todo mundo ia lá comprar alguma coisa. Eu não estava a fim de comprar nada, só queria passear e ver como é que era. Uma loucura a viagem, coisa de gente sem miolo na cabeça. Lembro-me de que comprei um estojo de maquiagem, uma bolsa para fazer compras na feira, uns objetos italianos de decoração (pratinhos florentinos para dar de presente) um disco de guarânia e, se comprei mais, nem me lembro. Mas recordo-me que a emoção que supunha sentir ao pisar pela primeira vez o solo estrangeiro, eu não senti. Nem do lado paraguaio nem do lado argentino. A única verdadeira emoção foi ver as cataratas, ouvir o estrondo das águas caindo e sentir os pingos de água batendo em mim. Foi uma emoção que entorpeceu todos os meus sentidos – a beleza e a força da natureza.
Muito tempo depois viajei para a Argentina, mais exatamente Buenos Aires. Um grupo de amigas. Lá descobri que os antipáticos argentinos tinham emigrado e deixado só os simpáticos. E não tivemos nenhum problema, nem com a língua, nem com nosso dinheiro. Foi como se estivéssemos em casa. Em outubro vou voltar por lá, vou fazer a travessia dos lagos andinos, partindo de Santiago e chegando até Buenos Aires para depois voltar para casa.
Estou lendo o livro de viagens de Danusa Leão, De malas prontas. Um dos cinco capítulos do livro trata exatamente de Buenos Aires. E foi lendo Danusa Leão que as minhas lembranças foram retornando como se de lá eu tivesse chegado ontem. Mas já faz um tempinho...
Danusa é uma andeja de primeira. Deve ser uma companheira de viagem e tanto. Pude perceber que grande parte de seus caminhos se cruzaram com os meus e que muitas de suas observações sobre a viagem eu as teria feito semelhante caso tivesse registrado meus pensamentos na época.
Danusa diz em seu livro que os táxis comuns em Buenos Aires não são confiáveis, mas, confiáveis ou não, foi o táxi o meio de transporte que usamos em Buenos Aires e fomos para tudo quanto é lado, tão barato que era. Andamos pela cidade inteira. Aliás, é muito fácil se locomover ali. Nosso hotel era bem localizado, um hotel bastante antigo e confortável. Mas também não consigo lembrar o seu nome.
Um dos lugares que visitamos foi a Recoleta – o cemitério. Foi a primeira vez em que visitei um cemitério sem ser para acompanhar um enterro, exceção feita ao Cemitério São Miguel e ao Cemitério de Arantina onde já fui fazer umas visitinhas aos meus mortos. Mas a Recoleta é fantástica: um verdadeiro museu. Vi túmulos inacreditáveis pela beleza e pela originalidade. Os mortos ali vivem melhor do que muitos vivos que estão mortos em vida. Um dos que mais me impressionou foi o de uma jovem que teve o seu quarto reproduzido subterraneamente para que ela pudesse dormir eternamente em sua própria cama. E os preços dos túmulos segundo o administrador do cemitério são mais caros do que apartamentos de dois quartos em bairros nobres. Ali está o túmulo de Evita bem simples até,considerando-se o seu papel na Cultura argentina.
Do lado de fora do cemitério pulsava a vida. Uma pequena feira sem muita coisa interessante, mas foi ali que resolvemos comer um sanduíche de pão com mortadela e nem o que comi no Mercado de São Paulo estava tão bom quanto esse. Eu devia estar faminta porque o rapaz dos sanduíches pegou um pão, abriu, colocou as fatias de mortadela dentro e me deu assim, direto, sem nenhum guardanapo, o que, aliás, ele não tinha. E aí, pegou o meu dinheiro, devolveu o troco e se preparou para fazer o sanduíche para minha amiga. Aliás, outro episódio higiênico aconteceu comigo: eu acabara de sair da Catedral e ali, na Praça de Maio, ouvi alguém gritando – empanadas paraguaias! Faminta mais uma vez e enlouquecida pelas empanadas argentinas resolvi me aproximar para experimentar a paraguaia: desisti. O cesto estava em cima de uma lixeira aberta.
Apesar disso, comer e beber em Buenos Aires é um prazer. Carnes de primeira, sorvetes muito bons, empanadas maravilhosas, vinhos surpreendentes. O doce de leite é considerado típico, assim pude saboreá-lo em diversas situações com o objetivo claro de estabelecer comparações com o doce de leite mineiro. São ambos bons, mas os nossos são melhores, Principalmente o dia minha mãe. Mas as carnes... nunca comi carnes tão boas quanto às de lá.
Livrarias, lan houses, casas de câmbios a gente encontra em todos os quarteirões. E passeadores de cães estão em todas as praças e parques.
E a Calle Florida com seus artistas de ruas e suas lojas maravilhosas? Comprei lá um trench coat italiano e uma carteira de couro vermelha para dar sorte. E nas lojas mais chiques que entrávamos havia sempre alguém dizendo que um artista global estve aqui, comprou isso e mais aquilo. Ah, se fossemos tietes...
Uma noite, estávamos calmamente caminhando rumo ao hotel, quando vimos uma imensa manifestação pública: uma passeata. Povos indígenas reivindicavam não sei o que, mas não pensei duas vezes – entrei na passeata, queria sentir na pele o que estava acontecendo. Ninguém se espantou afinal posso representar muito bem a minha tetra avó índia.
Como todo grupo feminino que se preza fomos a vários shoppings e em um deles, não me lembro qual, só tenho certeza de que não foi o Pátio Bullrich, o mais in da cidade, e sim outro mais simples, mas como ia dizendo estávamos andando e vendo as lojas. Foi quando vi o meu reflexo em algum lugar, olhei e não gostei e então disse ao grupo, sem esperar resposta: vou ali. E fui. Cortei minhas melenas e aí gostei mais de mim um pouquinho. Inclusive aumentou minha alma estiva porque as pessoas consideraram uma loucura alguém entrar em um salão de beleza sem nenhuma referência e tosar os cabelos.
O tango merece uma página especial, mas aqui vai ganhar só um parágrafo. Afinal estou escrevendo uma crônica, não um livro. O tango está em toda parte. Fomos a uma casa de tangos onde assistimos a um show magnífico e eu tomei um banho de vinho provocado por um garçom desastrado. São vários os tipos de show apresentados, tradicionais, mais populares e até estilizados. Também nas ruas acontece. Fomos a Boca, durante o dia e ali casais dançavam nas ruas e podíamos, se quiséssemos experimentar por um preço módico dançar também. Tanto a dama quanto o cavalheiro estavam disponíveis para nos ensinar. Eu não me atrevi, mas teve gente que sim.
O Caminito é a rua principal em La Boca e encanta com suas casinhas a La Favela Amarela, todas coloridas. São muito antigas e construídas pelos imigrantes italianos. O Caminito, penso que hoje é um bairro para turistas, tamanha a quantidade de lugares que vendem recuerdos do país. Foi ali que comprei uma lindíssima série de cartões postais retratando a mítica do tango, pensando em mudar a decoração do meu quarto.
Apesar de gostar de futebol não entrei em La Bombonera, mas entrei na lojinha do clube apesar de nem me lembrar se comprei alguma coisa.
Uma crônica não é suficiente para falar de Buenos Aires e dos lugares que conhecemos – a viagem de barco pelo Tigre, o passeio de trem pelo subúrbio, a Igreja toda em prata (Nossa Senhora do Pilar?), Puerto Madero, o rio de La Plata e tantos outros lugares. Mas nem posso escrever mais porque preciso parar e pensar e talvez trocar idéias com minhas companheiras de viagem para relembrar com precisão certos detalhes. A única coisa que sei é que voltar ali, mesmo sendo por um único dia, vai valer a pena.
(da série Viajando por ali e aqui -32)