CARÊNCIAS

Hoje em dia costumamos ouvir as pessoas falarem que estão carentes e falam de um jeito que engloba qualquer coisa, qualquer sentido. Diríamos que o termo ficou banalizado, pois até os erros das pessoas costumam serem justificados pelas carências: “coitadinho, fez isto porque (a) ele (a) está carente“, ou “isto é por falta de amor de pai e mãe”; e por ai afora seguem as justificativas sobre as falhas que cometemos. De certa forma essas expressões tem suas considerações reais, mas na maioria das vezes não, pois o que vemos pode ser justamente o contrário, ou seja, pode ser um excesso de demandas, de atenções, de aquisições ou de carinhos. Um excesso que leva a pessoa ter demais para si e de menos para o outro, de menos para fora de si mesma; é o que entendemos de narcisismo, quer dizer daquelas pessoas voltadas para si em toda plenitude.

Lógico que a Carência não é de hoje, desde que o humano se entende como tal, vive em busca de algo que possa preencher seus espaços vazios, um elemento que sempre deixou rastros de dor e sofrimentos incontestáveis tanto no nível físico, como no mental e porque não, no material também. Vemos que apesar de todas as facilitações e disponibilidades dos dias atuais, sofremos com a falta de tempo, de carinho, de moradias, de lugares adequados para brincar, para o lazer. Parece uma ironia falar assim, pois nunca se falou tanto de boa qualidade de viver, de mutirões pela paz, de campanhas para melhoria da vida dos mais desvalidos, e onde a ordem principal é o bem estar de tudo e de todos, onde a felicidade é a palavra dê em ação.

Observamos que no passado não havia espaços pré-determinados para o bom desenvolvimento das pessoas, as coisas pareciam mais espontâneas, nem os bens de consumo eram tão amplamente desenvolvidos e divulgados. Uma criança, por exemplo, precisava criar seus próprios brinquedos e brincadeiras e estas criações conseqüentemente aumentavam o nível intelectual e fortaleciam os laços de amizades entre todos. Espaços havia aos montes: Ruas, quintais, terrenos baldios, clubes. Estes espaços foram substituídos pelos grandes parques destinados somente para as finalidades do lazer e da compra dos bens de consumos. Sim, o progresso trouxe consigo o cerceamento da liberdade, e da criatividade, trouxe o distanciamento e as desconfianças dos laços de afetos. Ao se deparar com tudo “pronto” a criança e o adulto caem numa inércia mental e conseqüentemente numa apatia afetiva diante de tantas possibilidades de prazer e satisfações. E muitas vezes buscam nas aventuras radicais o máximo da satisfação, do prazer, como se para ser feliz e realizado precisássemos viver numa montanha russa que fosse cada vez mais estimulante, porque do contrário não há colorido no viver. Esta seria a carência de afetos.

Por falar no estimulante, isto parece ser a condição exata com que deparamos as pessoas, elas buscam estimular-se para se manterem felizes. A indústria farmacêutica atenta a tais necessidades e fragilidades humanas, tem obtido excelentes resultados colocando no mercado suplementos químicos para quase tudo, senão tudo. Exemplo são os estimulantes e os inibidores. Se algo está em excesso vamos de inibidor, mas se falta vamos de estimulantes. Deste modo, sem muitas reflexões sobre o que de fato lhes faltam e lhes convêm, as pessoas se empanturram de todo tipo de estimulantes, excitantes ou inibidores, pensam assim estar eliminando ou atenuando algum mal estar, algum mal maior. As pessoas se submetem aos ditames da realidade atual. Ser feliz e estar de bem com a vida é o ditame dos tempos atuais.

Segundo o dicionário do Aurélio toda carência significa falta, ausência, privação e sabemos que estes elementos se tratados com adequação são suprimidos e levados a bons resultados. Porém, nas teorias psicanalíticas usamos a expressão Falta para explicar e justificar as carências, mas as carências vistas por outro angulo. As carências vistas pelo ângulo da Falta. A Falta é para nossos estudos o componente que reflete o vazio deixado pela presença do outro ou de alguma situação que foi de suma importância para a pessoa. Deparar-se com a Falta pode ser de suma importância para o crescimento da pessoa, pois só diante da frustração, da dor ou do sofrimento ela, pessoa, irá de encontro ou ao re-encontro do objeto perdido quer tenha sido o outro ou uma situação de prazer. A Falta é, pois, o elemento primordial para justificar o bom desenvolvimento da saúde mental. Na falta crescemos, criamos, imaginamos o possível e o impossível, determinamos a cor que esperamos e desejamos da vida, enfim a falta do ponto de vista da psicanálise é o liame de ligação entre a vida mental e a realidade, entre o Eu e o Outro.

Situados entre estes dois extremos: de um lado as carências, as privações dos tempos que demarcam as mutilações que cerceam a liberdade, ou o desprezo pelo equilíbrio entre as forças do bem e do mal; do outro a teoria da falta que pela ótica psicanalítica, dá propulsão e vazão ao surgimento de um vazio que possa ser pensado e analisado para que possamos constituir a história do sujeito (pessoa). Sim, a história mental da humanidade será observada e registrada a partir dos desejos, dos sonhos marcados pela Falta, ou seja, de como uma pessoa conduz sua existência vital a partir das experiências, das frustrações que vivenciam ao longo da vida.

Assim quando nos propomos pensar sobre as carências esperamos acima de tudo pensar do quanto precisamos estar atentos aos ditames das exigências do mundo externos e suprir com cuidados os desequilíbrios causados por isto, e de outro lado os ditames das leis internas do nosso psiquismo que nos impulsionam e nos motivam lidar com as forças dos nossos afetos e emoções e entre a vida e a morte.

Por Graça Costa

Amparo, julho / 2010.