Perdendo a criança
No sobe e desce desvairado nos degraus do edifício, ele sempre pensa em algo que esquece quando termina este exercício, quando lembra, esquece que lembrou e a mente fica assim, no sobe e desce da memória. Quando desce fica alegre, quando sobe fica triste, vice-versa, desce e sobe. No mundo dos humanos, um segundo é precioso, e nesse corre e corre, perde a vida trabalhando e ainda morre orgulhoso. Acontece com todos, se não todos, noventa por cento. É a grande maioria esmagadora, sofredora e... orgulhosa. Acontece que ao descer dos degraus, lembrei de Luis dos Santos Barbosa, um mendigo cujo um segundo é só uma fatia do minuto e nada mais, uma fatia de chocolate, saboreada com delicadeza e calma, a calma que o faz viver, que o faz ser diferentemente feliz que o faz simplesmente ser, seu sorriso sincero e seu relógio estragado, ha anos parado, e eu a olhar para minha hora, lembro que eu já fui engolido pelo mar, que estou com a bola parada e já são quase vinte do segundo tempo, como me recuperar agora? Eu exalo humanismo, exalo socialismo, fedo ética, exalo até hipocrisia, numa mistura monstruosa acabo exalando adultismo. Aos poucos vejo acabando o recreio, me dirigindo à sala de aula, comportando-me, escrevendo, sofrendo como adulto, minha criança está indo para o castigo eterno, onde milhares já estão, esquecidas em fotografias, fitas de vídeo e agora em maquinas digitais, mas criança gosta de carinho, atenção, amor, quando falta, ela morre, pressinto que a minha morrerá mais cedo ou mais tarde, este é o destino da maioria. Sinto admitir isto, mas é a mais pura verdade, isto desde quando o homem se enganou sobre o que é vida.
Apouco não aceitava esta condição, brincava que sou eu Enzo, o crianção, mas como disse, fui engolido pelo destino que me fora escrito, não consegui desmanchar as linhas que me foram destinadas, tentei, juro que tentei, sabem que tentei, mas hoje quando olho no espelho e a barba denuncia, solto com tamanha tristeza e um pouco de apatia:
_ É Enzo, quem diria.