A MULHER (BVIW)
A luz vagarosa e calma da vela desenhava cenas estranhas nas paredes do quarto pequeno e úmido. Era o que dava para Antônio avistar todas as tardezinhas quando voltava da repartição pública onde trabalhava. Jamais viu uma pessoa assomar àquela janela estreita e carcomida. Certa vez ainda esgueirou-se e rapidamente desistiu. Deu pra notar que havia uma camisola de cetim sobre a cama muito antiga e escura. Lembrou-se, em seguida, que vira um console onde havia um porta-retrato dourado e a foto de uma linda mulher. Naquela noite sonhou com ela lançando-lhe pelo corpo os cabelos negros ondulados. Viu astros formidáveis em meio aos fios da cabeleira. A moça o beijava ardentemente. Acordou preocupado. O que significaria aquilo? Quem era aquela moça? Por que vinha do porta-retrato para os seus sonhos? Devia ser uma mulher casada e isto ele respeitava e temia. Nesse dia, sem perceber de imediato, vestiu a melhor camisa, tudo era o melhor, penteou bem os cabelos, olhou-se longamente no pequeno espelho da banqueta. Fez uma breve oração e seguiu para o trabalho. Pela manhã a janela estava fechada, mesmo assim olhou. Levou uma topada na calçada enquanto cantarolava uma antiga canção. A moça nadava em suas retinas, chegou a repetir os beijos do sonho. O dia não terminava. Na hora do almoço preferiu organizar-se e refazer o cabelo. Tomou um suco, escovou os dentes mais vezes do que costumava e pensou ver a moça no espelho.A tarde foi a mais longa de sua vida. Cantava automaticamente a mesma canção. Chegou a hora. A janela aberta, a vela acesa no mesmo lugar. A mulher sorria no porta-retrato. Empurrou a porta, entrou. Nunca mais se soube de Antônio. Todos os dias a vela acesa continuava escrevendo histórias nas paredes do minúsculo quarto da Rua do Sol Nascente.