TRANSMISSÃO DE PENSAMENTO

Carlos Alberto era o contador chefe de uma empresa em Belo Horizonte.

Casado com Maria de Lurdes, professora, dona de uma escola, tinham dois filhos adolescentes.

Moravam bem; em um bairro classe média.

A casa foi presente de casamento do pai dela.

Lurdinha tinha uma renda suficiente para manter toda a casa. O salário dele era pra trocar de carro a cada três anos , comprar roupa e pra uma cervejinha as sextas feira na Savassi; assim conseguia poupar uns setenta por cento todo mês e guardar em uma poupança.

Nas férias iam para a fazenda do pai de Lurdinha, pertinho de Belo Horizonte. Lurdinha dizia que detestava qualquer tipo de viagem, especialmente para a praia, e o casamento seguia assim frio como as noites de inverno na Serra da Mantiqueira.

Carlos Alberto só havia ido à praia uma vez na vida, foi presente de casamento; uma semana em Maceió; e nunca mais se esqueceu, e lá se iam mais de quinze anos.

Todos os dias na hora do almoço ficava vendo no computador imagens de tudo que se relacionasse ao mar; praias, hotéis, pousadas, barcos, pescarias. De tempos em tempos trocava a imagem marinha na tela do computador.

Tania, ou Taninha como era chamada, era secretaria do diretor financeiro. Tímida, havia ficado pra titia, como diziam maldosamente seus colegas, já estava na faixa dos trinta e muitos e nunca havia namorado.

Só andava de saia e taileur, jamais de bermudão ou calça comprida; jeans nem pensar.

Ia todos anos à praia com os pais; Guarapari ou Cabo Frio, como convêm a um bom mineiro.

Lá Taninha se soltava, usava minúsculos biquínis; de fazer inveja a qualquer garota de Ipanema. À tarde passeava na orla de bermuda e camiseta sem sutiã. Ela simplesmente - a.d.o.r.a.v.a - o mar.

Dizia sempre pra quem quisesse ouvir que qualquer dia tomaria coragem, largaria tudo e iria morar em alguma praia.

O Departamento Financeiro, onde ambos trabalhavam funcionava em um andar inteiro do prédio. As divisórias eram baixas de modo que o diretor pudesse controlar tudo com um passar de olhos.

Em dez anos de empresa Carlos Alberto e Taninha nunca se falaram , a não ser um “bom dia Senhor Carlos Alberto”; “bom dia Dona Tânia”.

Ele era o único que a chamava de “Dona Tânia”; até o diretor a chamava de Taninha

As mesas dos dois ficavam em lados opostos no imenso salão e de frente uma para a outra.

De vez em quando ficavam se olhando com um olhar perdido, como se estivessem hipnotizados, mas não esboçavam qualquer reação.

Um dia... e esse foi o dia mais importante de suas vidas...

Sexta feira... perto do natal...o expediente mal começara...

Carlos Alberto rabiscou qualquer coisa em um pedaço de papel, preencheu um formulário, imprimiu uma cópia e assinou...

Levantou-se... foi em direção à mesa de Taninha e lhe estendeu a mão direita ...

Ela ficou rubra de vergonha; os colegas todos pararam pra olhar, o que estaria acontecendo?

Depois de se fitaram por alguns segundos... ela finalmente entendeu aqueles olhares trocados durante tantos anos.

Levantou-se, estendeu a mão e ele segurou suavemente... sairam sem falar nada caminhando de mãos dadas em direção ao elevador.

Alguns colegas puderam ver os dois entrar no carro dele e sair.

Outros correram à sua mesa para ver o que havia naquelas duas folhas.

Uma era um formulário de pedido de exoneração.

Noutra estava escrito a mão:

Por favor, mandem minha correspondência e toda documentação de demissão para o seguinte endereço:

Pousada do Sonho – Barra Grande – Município de Maraú – Bahia

Obrigado, e felicidades a todos

Carlos Alberto.

Wilson Pereira
Enviado por Wilson Pereira em 16/07/2010
Reeditado em 20/07/2010
Código do texto: T2381687