"O VALOR DA SIMPLICIDADE"
FOTO DE CARLOS SENA
Por Carlos Sena
O mundo moderno nos dá a impressão de que só seremos felizes se nos cercarmos de coisas. Coisas que, geralmente, têm ligação direta com o consumo – TV LCD, automóveis equipados, casas de campo ou de praia, roupas de grife, viagens ao exterior, celulares de ultima geração, perfumes franceses, etc. O simples bairro onde moramos representa para muitos, símbolo de prazer e de felicidade. Neste sentido, de fato, os preços dos produtos e serviços se diferenciam. Um pedreiro faz um orçamento para uma reforma num bairro popular e cobra, por exemplo, R$ 1.000,00; num bairro tido como nobre ele dobra esse preço. Até para namorar se tem impedimentos. Uma garota filha de pais ricos, dificilmente namora um rapaz que more em bairro pobre e não disponha de carro. Mesmo tendo carro ele terá que ser equipado com um bom sistema de som e ar condicionado. Entre as classes ricas, tudo leva a crer que as relações se desenvolvam horizontalmente, mas dentro das expectativas de bens que as pessoas possuam. Talvez neste viés, a gente encontre com freqüência, pessoas que se passam por possuidoras de riquezas que, evidentemente, não correspondem à realidade financeira delas. Dito diferente: vivem de aparência.
Independente de tudo interessa-nos muito pouco o que as pessoas possam ostentar como símbolo de poder e riqueza. No meio dessa ostentação (ou não) existe o sentimento que nem sempre se coaduna com o que se exterioriza, como por exemplo, a solidão. Para muitos estudiosos a SOLIDÃO é o mal do século e isto a gente não pode ignorar – basta que exercitemos a nossa percepção em volta de nós, principalmente quando estamos numa festa ou num evento de grande aglomeração de pessoas. Outro pequeno teste: observemos quanto cada pessoa próxima de nós reclama da dificuldade de um relacionamento sério, duradouro. Inclusive nós, nalguns momentos, verbalizamos isto não só em função de relações afetivas, mas daquelas de cunho solidário. Ninguém, atualmente, parece querer exercitar o altruísmo. Cada um dispõe de uma série de motivos, desde a violência até a falta de condições financeiras para ajudar ao próximo. Esquece-se, quase sempre, que pequenas atitudes cidadãs também não estão na ordem do dia, tais como: agradecer, ceder lugar a uma pessoa idosa, não furar fila, não passar com o carro sobre a poça d’água molhando quem estiver na parada de ônibus,
ajudar um cego atravessar a rua, ou um acidentado em via pública, etc.
Há uma crise de pequenas/grandes atitudes? Tudo nos leva a crer nisto, principalmente porque isto parece que leva alteração à outra ponta desse iceberg: as pequenas coisas perderam o seu valor... Ou elas estão muito abafadas pela ostentação dos bens de consumo que têm de alguma maneira, confundido os valores imateriais.
Talvez valha mais, no dia dos namorados, um presente caro, do que um poema de amor; talvez valha mais viajar para a Europa no sentido de salvar um casamento, do que descobrir o valor do respeito mútuo entre casais; talvez um primeiro encontro num lugar bucólico tenha menos valor do que esse encontro numa danceteria; talvez tenha menos valor convidar um amigo para um bom papão na esquina, do que chamá-lo pra encher a cara numa roda de samba; talvez uma missa/culto em ação de graças por ter passado num concurso público ou no vestibular, tenha menos valor do que uma farra com os amigos; talvez algumas mulheres virgens tenham que negar isto, se quiserem desfrutar de amigos e admiradores; talvez muitas pessoas sem grana não dêem valor a saúde que têm, esquecendo que muitos milionários que estão com câncer nos hospitais dariam tudo, para estar no lugar delas; talvez... Talvez... Quiçás, quiçás, quiçás...
O sentido das pequenas coisas se liga intimamente à simplicidade da vida. Não depende, no nosso entender, de muito ou pouco dinheiro. Há ricos que levam vida simples e são felizes; há pobres que vivem endividados e são extremamente infelizes. A linha divisória de tudo isto não é tênue. Ela é clara, mas os deslumbramentos da vida moderna têm tirado de muitos a percepção de que pra ser feliz só precisamos da paz interior. Descobrir o que temos em vota e por dentro de nós. Sem querer ser melhor nem pior que ninguém, tivemos uma grata surpresa que nos deixou felizes: quando cheguei à varanda do meu apartamento fui surpreendido por minha bourgainvillle – Ela me presenteou com um galho belíssimo de flor vermelha. Fiquei encantado com esse milagre da natureza – mito de poesia e encantamento, brindando a brisa do mar de Boa Viagem em plena selva de pedras da cidade grande. Esse espetáculo custou-me o preço de um pouco d’água todas as manhãs.
Recife, 14 de julho de 2010
fotos de carlos sena - Bougainville da varanda do apartamento.