O RESTO DE SUA VIDA
Enviaram-me uma vez por email um jogo onde podíamos calcular, de acordo com o nosso perfil, quantos anos de vida ainda teríamos.
Não o fiz. Por medo? Medo é uma palavra tão rara no meu vocabulário... Por não acreditar na possível estatística? Ora, tudo é possível. Se a estatística prova quantos ganhadores a loteria esportiva vai premiar, pode ser que um email me diga que morrerei daqui a 10 ou 20 anos.
Acreditar de olhos cegos às vezes pode ser uma resposta definitiva.
Mas não me interessa muito a data. Ela já está dentro de nós. Em surdina as células fazem um sabá glorioso que perdura toda uma existência e se calam taciturnas em nosso funeral. Nossos atos se acumulam numa sedimentação sem volta – e no final seremos montanha ou caverna obscura.
E não se pode fugir (enganar-se sim): todos morreremos. E todos, ou quase todos, possuem seus motivos para continuar vivendo. Outros preferem um grande NÃO. O suicídio está além do desespero. Ele é a negação, o protesto, o pavor que toma consistência e revela os limites da fé.
Um email que lhe permite calcular o resto dos seus dias deveria também fazer com que fizéssemos logo o que temos vontade, ultimássemos nossos planos, e quem sabe nos tornássemos pessoas melhores. Parece piegas, não é? Eu sei. Eu tenho um pé no bolero e outro no pop music. Independente do email estatístico, morrerei pensando que temos responsabilidades com o bem-estar alheio.
O Homem é o único animal da Terra que sabe que irá morrer um dia. E que pena: isso não melhora em nada a nossa medíocre situação. Se cada um de nós soubesse data e hora do seu último suspiro, haveria mais respeito com o semelhante? Ou seríamos ainda mais selvagens e irresponsáveis? Mistério. Resposta que só o que chamo de Deus tem.
Surpreendeu-me uma vez ao ler a biografia de Marilyn Monroe. Um ícone de deusa sexy, protótipo de loira burra – o que ela não era – certa vez disse: tenham uma boa lembrança de mim. E acreditem: não era vaidade. Com esta frase Marilyn pedia quase que desculpas. Pelo efêmero de ser bela, por ser frágil e cheia de erros.
Assim, na lembrança de quem fica, nos perpetuamos. Das nossas montanhas ou das nossas cavernas, escrevemos nossas histórias.