Cinco Centavos
O sol reluzindo na manhãzinha de sábado. A mulher já está acordada há uns dez minutos. Aquela fome, uma falta de energia, faz com que vá a padaria e compre um pão, que custa trinta e cinco centavos, e receba de troco, uma moeda de dez e outra de cinco centavos...
Vai para o serviço, que fica do outro lado da cidade. Espera o ônibus há algum tempo. Os olhos estão vagos, distantes de si mesmo, deveras tristeza. Suspira e olha para o céu; talvez chova mais tarde. Entra no veículo e entrega ao cobrador o preço da viagem, e lá se vai os cinco centavos...
O cobrador já está quase aposentando. A artrite o incomoda em excesso. O dia mal começou, mas o cansaço já lhe abateu sobre os ombros. Ele não agüenta mais. Acostumou-se com as pessoas que deixam transparecer, em seus rostos, a miséria da vida, a angústia do passado, a rebeldia das moléstias. Entrega o troco a um rapaz de uns vinte anos e entre muitos, uma nova mão é fechada nos cinco centavos...
O rapaz desce do ônibus numa viela da periferia. A cabeça está transtornada. Necessita de algum alucinante tempero branco, em que se encontra o poder de ser consumido. Rouba uma bolsa apenas pelo dinheiro que contem, mas ele precisa de mais. Vende uma bicicleta, um celular, uma camisa. O que consegue arrecadar é rapidamente trocado pelo prazeroso veneno que irá para suas artérias e destruirá o que sobrou de seu cérebro. Um novo ser humano está com os cinco centavos...
É um traficante que menospreza esta moeda, e logo a perde num terreno baldio. Depois do almoço, a molecada joga bola. Um desses moleques vê o brilho do metal no chão. Ele o guarda para poder gastar mais tarde, mas o esquece no bolso. Na sexta-feira, no fundo do balde, onde se deixa um tecido dentro de uma água sanitária, a mãe encontra os cinco centavos...
Ela o guarda no cofrinho de porcelana. Dois meses se passam e o recipiente se enche. A destruição em pedaços e as moedas pela mesa. Soma-se tudo, que dá exatamente setenta e sete reais e cinco centavos...
Bem, como era de se esperar, a mãe deixa os cinco centavos para trás, em cima do tapete da sala. O bebê está brincando lá. Contempla aquela estranha coisa e acaba achando que é um doce. Põe o objeto na boca e depois engole. Engasga-se. Começa a sentir falta de ar; nota-se que a face está ficando roxa, os olhos estão se esbugalhando. Não consegue chorar e morre, ali mesmo, no tapete da sala. A mãe ainda, desesperada, o leva para o hospital. A extração é feita, mas o anjo das horas sombrias e mortais fez o seu serviço antes do tempo querer ajudar. O médico, quieto, escutando os gritos de angústia da mãe, deixa os olhos pousarem sobre os cinco centavos...
Mas, pelo menos, tudo termina bem. Chega o tempo em que é hora de recolher o dinheiro e trocar por um novo. A velha moeda de cinco centavos é derretida nos caldeirões do inferno e acaba se tornando uma cruz cristã, através da qual uma mulher faz suas preces, acredita em sua fé, e pede para que não falte o pão de cada dia, principalmente no sábado.