O quanto tem se perdido...

Oi, meu nome é Istanosvaldo da Silva, pode ser que você nunca tenha ouvido falar sobre mim, e não existe tal possibilidade, afinal, não existo, sou apenas um personagem, mas a partir de agora farei parte da sua vida, pois conhecerá a minha história inexistente.

Reconheço ser um tanto complexo tudo isso, sobre existir ou não, mas isso não interessa muito, sou um homem de meia idade, apesar de não saber o que realmente isso quer dizer, tenho 60 anos, meus cabelos já foram pretos hoje não, o que restou dele teve uma influencia do tempo e se tornou branco, como a neve, tenho algumas rugas no rosto, mas não pelas expressões que fiz ao longo da vida, nunca fui um homem de muita expressão, nunca fui de sorrir, não podia mostrar para os outros a minha tolice e vunerabilidade que todo mundo possui, nem de chorar, nunca que me dei o direito de ser fraco e ser dependente do outro, as minhas rugas são só sinal do tempo!

As minha mãos possuem calos, comecei trabalhando cedo, para conseguir o que queria, trabalhei de engraxate, ajudante de pedreiro, tive um comercio, estudei numa faculdade com muito esforço, me tornei um dos melhores escritores do mundo, um homem de mãos grossas com uma leveza nas palavras que faziam soar como uma brisa na manhã do feriado nacional.

Hoje depois de uma vida toda, tenho tudo que queria, estou aqui, no meu quarto, onde não estive por muito tempo, tinha que trabalhar duro para conseguir o que queria, algumas vozes na cozinha, uma música tocando, um certo barulho que sai da panela de pressão, risos por toda a parte. Consegui ter uma casa grande, dessas que a gente sempre pensa: "queria que minha casa fosse assim", tenho um banheiro só pra mim, minha cozinha toda branca, geladeira sempre cheia, na garagem tenho dois carros um pra viagem e outro pra trabalho, tenho tudo que quero.

Já vendi milhares de livros, com esse dinheiro criei meus quatro filhos, hoje formados, com boa vida, que com certeza são muito felizes, afinal, era o objetivo da minha vida, me casar, ter uma casa dessas que a gente sempre fala: queria que minha casa fosse assim, dois carros, ser reconhecido pelos meus livros, dar uma boa vida para meus filhos, foi duro conseguir, trabalhar tanto assim, não ter com minha família um dedinho de prosa, uma risada eterna na tarde de domingo, um carinho, mas meu o objetivo foi alcançado! Vejo isso hoje!

O barulho se foi, o barulho do qual tinha te falado, que vinha da cozinha, não entendi, me levantei fui até lá, a televisão pifou eu acho, as vozes dos humoristas daquele programa de teve se foram, os risos da plateia também, e me parece que a vizinha terminou de fazer o almoço, não escuto o barulho da cozinha dela, mas não me importa o barulho, se tenho tudo o que quero e que lutei para ter, rezo e espero pela ligação de um dos meus filhos, faz tempo que não ligam, muito tempo, devem estar trabalhando para ter tudo o que querem: uma casa, dinheiro, reconhecimento o normal, minha esposa, não é que não me lembro de quando a vi pela ultima vez, deve estar no quarto dela, me deu vontade de viajar, passear, pega um dos carros e sair, mas faz tanto tempo que não faço isso me desencoraja.

Já te disse das minhas rugas? Que tenho tudo o que quero? Da minha casa, como ela é? Ninguem nunca responde ao que pergunto, quer saber de uma coisa? Vou lhe contar um segredo!

Estou sozinho no meu quarto, estou lúcido, não tem ninguem na casa, não esteve por muito e muito tempo, meus filhos estão por aí, minha esposa também, e não tenho tudo o que queria, porque descobri que tudo o que eu queria que me parecia ser o que me faria feliz não me fez, não me faz, estou só, triste, com medo do telefone nunca mais tocar e de não poder dar o sorriso que eu sempre quis dar, a minha vida toda foi assim, esperando pelo momento de poder sorrir, esperei demais por esse momento, ele nunca veio, talvez pela pressa, talvez por me preocupar demais, talvez porque pensei que conseguiria da-lo quando tivesse tudo o que queria, e não dei. Eu não existo, já disse, você nunca me verá, mas você existe e sabe da minha história e espero que você possa hoje, dar o sorriso que você sempre quis dar, porque deixar para depois, pode ser que faça com que você nunca o dê e descubra tarde demais que já não conseguirá dar e te faltará tanto mesmo quanto tiver tudo o que queria, porque tudo o que queremos se tornará imprestável se não tivermos a certeza de que fomos felizes na luta para conseguir, somos felizes em ter conseguido e seremos felizes em conseguir mais uma vez o que queremos de verdade: um sorriso no final do dia, do meu rosto, e do rosto do outro, porque não adianta sorrir sozinho, porque felicidade é algo que se divide nunca se guarda!

Gabriel Antunes Ferreira
Enviado por Gabriel Antunes Ferreira em 01/07/2010
Reeditado em 30/08/2010
Código do texto: T2352254
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