O homem comeu a pomba

O homem comeu a pomba.

Era o inicio de uma manha de junho, não fazia frio, pois não se faz frio na cidade de São Saruê, onde sol castiga a gente entra ano e sai ano, melhor entra carnaval e sai carnaval. Nesta manha estava a descansar na Praça 2 de Julho centro de Salvador, ponto de partida dos trios elétricos, sim descansar depois de ter dado uma três voltas na praça, mas não fora atrás de um trio e sim numa caminhada leve. É muito relaxante esta pratica bem cedo, quando os pássaros nos brindam com seus mais variados cantos e ainda não se tem a carga de monóxido de carbono normal dos centros de grandes cidades.

Pois nesta manha, neste descanso, estava a saborear um leve café com leite e um naco de bolo caseiro feito pelas abençoadas mãos da soteropolitana Benta que ali na praça, busca defender a sobrevivência de seus três filhos menores, a quem os pais desconhecem como tantos nesta cidade de Oxum. Assim ela se instala todos os dias pela manha com sua banqueta junto às grades, que envolvem a praça. Eu sempre me sento nos bancos, que dão frente para o Teatro Castro Alves e lateral do monumento em homenagem aos caboclos da independência da Bahia em 2 de julho de 1823, pois assim observo o fluxo normal de transeuntes e não permito que minha retaguarda fique à descoberta, coisa de cidade grande. Mineiro não dá nó sem ponta, é bem “espertim” né?

Ao meu lado dois senhores negociavam livros antigos, pois observado o estado de conservação com aquele tom amarelado encardido. No banco a frente duas senhoras idosas cada uma com um pequeno cão de raça bem cuidado e alimentado, pois não ensaiavam querer do meu bolo. Como em toda praça que se preze os pombos passeavam e infestavam todos os pontos. Tranquilamente estes pássaros urbanos ciscavam em circular, emitindo seu tradicional canto rouco, sempre bicando algo no chão, sendo que perto de mim achavam algumas migalhas de bolo que intencionalmente ia jogando para eles, fazendo às vezes um amontoado deles.

Voltando ao homem, quando estava junto da senhora dos bolos, um destes pedintes moradores de rua, sujeito forte aparentando saúde razoável, se aproximou pedindo para lhe pagar algo, com naturalidade neguei, pois já o tinha alimentado dia anterior, não queria vicia-lo aos meus favores, tempo em que a própria senhora pediu para não importunar seus fregueses. Instante que a voz do velho Luiz Gonzaga soava nos ouvidos com sua musica Vozes da Seca (... uma esmola a um homem qui é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão...) fui sentar nos bancos da praça, meditando sobre mendicância nas grandes cidades, por seres humanos, que poderiam estar na maquina produtiva, no entanto perambulam pelas ruas, praças.

Assim foi que este homem, no meio da praça, se dirigia a cada pessoa sempre estendendo suas mãos pedindo algo, circulou por toda praça sem sucessos em suas investidas. Voltava para o ponto onde eu estava a observar os homens em negocio e as idosas dos cães. Os pombos em bando pelo chão na maior algazarra disputando as migalhas que atirava. Quando de repente como um gavião, aquele homem se atirou sobre os pombos e com uma ligeireza de quem está habituado ao ato, conseguiu agarrar um destes, saiu andando lentamente e olhando para trás desconfiado, buscando ocultá-lo por baixo de sua suja camiseta de malha, que dizia Sou Chicleteiro. Todos ficaram a olhar aquela ação e nada fizemos, talvez seja porque naquela praça nenhum policial ou mesmo guarda municipal por perto, para garantir o patrimônio, o monumento ou mesmo os cidadãos, e assim os pombos.

Uma das idosas olhando para nós comentou:

- Aqueles homens não fizeram nada, já não fazem homens como antigamente.

Mudamente os dois me olharam e eu a eles.

Voltei para elas em defesa disparei, ele pediu comida e não demos, ele pegou a pomba e vai comê-la. Se conseguir impedir, viro um herói. Se ele me mata, a terra vai se alimentar do meu ato heroico e amanha serei apenas uma saudade dos meus familiares, nenhuma placa ganharei nesta praça, nem as pombas estarão isentas de outros ataques. Cadê o policiamento da praça? As senhoras viram?

Elas se entreolharam e caladas saíram de mansinho com seus cachorrinhos. Enquanto o homem curvava a esquina da Av. Sete de Setembro e seguia para seu canto com seu pombo para o almoço.

Toninhobira

08/06/2010.

Toninhobira
Enviado por Toninhobira em 08/06/2010
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