O reino da verdade é obscuro.

Um dia desses eu disse a uma jovem criatura que não se perdesse contando toda a verdade a toda hora ao namorado. Disse também que aprendesse a mentir convenientemente por que, se a mentira tem pernas curtas, é melhor que ela não seja grande.

Isso chocará talvez aos puristas, aos donos da verdade, aos absolutamente sinceros (mais conhecidos como chatos de galocha), mas eu continuo insistindo na tese que verdade demais é como o oceano: muito lindo, mas absolutamente indomável e perigoso.

Que seriam das relações diplomáticas se essa estória de "falar a verdade" fosse levada ao pé da letra? Era uma guerra em cima da outra.

A verdade é muito preciosa, mas o ouvinte nem sempre está preparado para ela. E ainda há o fato de que a verdade é boa para os outros, mas nem sempre para nós. Um exelente exercício para os "verdadeiros de plantão" é pedir que lhe falem a verdade total...poucos aguentam.

A gente não consegue administrar as nosssas próprias verdades, mas vive exigindo que os outros o façam. Uma coisa certa é que "a verdade dói" e o ser humano não gosta de sentir dor, mas de impô-la aos outros. É mais ou menos como levar o Velho Testamento Biblico ao pé da letra...vamos voltar a queimar os feitiçeiros ou quem supusermos sê-lo?

O reino da verdade é obscuro. Mentiras são necessárias para que o mundo, como disse, não entre em guerra e ninguém se suicide.

Já pensou se às senhoras, muito esforçadas no quesito da beleza, como Madona e Xuxa, por exemplo, se dissesse a verdade que elas são apenas um arremedo patético do que foram há vinte e cinco anos?

Já imaginou se se dissesse ao Lula que quando o Obama disse "he's my man!" ele estava apenas ironizando, por que americano acha qualquer outro povo inferior?

Já pensou se toda a namorada dissesse ao namorado que não ficou cega só por estar namorando e que há outros rapazes interessantes no mundo? E que, de vez em quando, é absolutamente necessário fingir um orgasmo, por que a performance dele não é sempre uma beleza?

Imagine se todo namorado disesse à namorada que aquela roupa não é adequada ao físico dela e que, sim, a namorada do amigo dele é mais bonita, cheira melhor e tem os olhos claros?

Já imaginou se tivessemos de dar conta de cada lugar, coisa ou instante que vivemos, a todo momento?

Já é um trabalho miserável viver, que dirá viver assim.

Não há romance que sobreviva a verdade nua e crua, não há quem aguente dar relatório da própria vida 24 horas...e isso não é amor também. É doença, ciúme, mania de controle, ou seja, insegurança pura e sem mistura. Os ciumentos sobretudos, amam a verdade.

Os ciúmes, eu acho, são uma forma miserável de auto-agressão e perda de dignidade. E se o outro percebe, essa parcelinha de peste que vive em nós se aproveita. ai mesmo é que o outro mente, enana e se deleita, vendo o parceiro contorcer-se nas vascas da agonia moral e afetiva.

Sou contra esse negócio de que, se tenho um marido, ele me deve contas do dia dele. Que deve me prestar relatório exato de suas atividades e conversas. Não fuço celulares, não espiono bolsos, não confiro colarinhos de camisas.

Ele está comigo e é porque quer, desconheço quem possa "forçar" alguém a estar consigo se este outro não desejar. Não acredito em macumba e amarrações. Acredito nele, não me sinto "otária" - medo muito comum às mulheres - que pode estar sendo traída.

Se estou sendo traída, e não sei, então não estou. Por que só se pode "estar" qualquer coisa se isso for concreto.

Ninguém é "presidente" do banco por especulação...ou se é, de fato, ou seja, concretamente com provas por escrito e tudo, ou então é alguma coisa que só existe no reino das possibilidades e imaginações.

É o cúmulo da falta de bom senso ser "corno" por antecipação...é ridículo, na verdade nua e crua.

A exigência da "verdade" é que nos leva às maiores mentiras. O outro cobra tanto que a pessoa vai falando, vai inventando, vai criando por defesa do espaço própria a que todos temos direito, e temos, inegavelmente, direito a um espaço pessoa, solitário, tranquilo, onde não entra ninguém, nem marido, nem filho, nem mãe, nem amor, nem amante - nosso, pessoal e intransferível - para desespero dos controladores e dos ciumentos..

Nunca disse a ninguém que uma roupa não lhe cai bem e não quero que me digam...me poupem da verdade que eu mesma posso ver e da que eu não posso. Sejam agradáveis, mintam. Aos meus irrecuperáveis defeitos, finjam que não viram e me elogiem, mintam. Eu vou me sentir bem mais confortável e retribuir na mesmíssima moeda, já que se eu disser a verdade me transformarei (Deus me livre!) numa chata irremediável.

( O T-Rex me diz que jamais perguntaria se seu robe de chambre lhe cai bem...nem eu responderia jamais)