Copa do mundo - anotações de um torcedor meio desligado...

Copa do mundo - anotações de um torcedor meio desligado...

Certo dia, chegou ao Brasil - um país novo, atrasado e rural, um inglês carismático chamado Charles Miller, trazendo uma bola coberta de couro debaixo dos braços, querendo convencer ao povo local, que só conheciam esportes equestres ou aquáticos, a jogar o Football.

E ele acabou conseguindo muito mais do que esperava. Algumas décadas foram bastantes para transformar o futebol numa paixão e, traço de brasilidade. E dessa paixão, vieram muitas glórias planetárias, a ponto do Brasil ter sido chamado orgulhosamente por Nelson Rodrigues de "a pátria de chuteiras".

Porque o futebol de tornou uma paixão nacional? Para mim, por um motivo bem simples: com uma meia e papel de jornal se faz uma bola e, qualquer lugar serve de campo. O que podia ser mais acessível, convidativo e cômodo? O que eu já li de besteira sociológica tentando explicar a popularidade do futebol...

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Mais uma Copa do Mundo. Mais uma vez, o país entrando em transe coletivo. Junto com a paixão pelo futebol e a fé na seleção brasileira, vai aflorando o sentimento de orgulho nacional e imodéstia, em relação às nossas qualidades.

A primeira lembrança que tenho de Copa do Mundo são das imagens algo trêmulas e em preto e branco do selecionado de 1970 reinando no México e conquistando o tricampeonato, na companhia de meu pai.

As tais imagens foram projetadas na Praça da Matriz da minha cidade natal, durante a festa do padroeiro da cidade, na parede pintada de branco da Igreja católica.

Naquela noite, cada jogada, cada passe e cada gol das partidas disputadas pela Seleção, eram comemorados com uma incrível intensidade pelos presentes, que delas só tinham a referência da transmissão pelo rádio. Naquele momento (quando o país já iniciara a transição da paisagem rural para um país de feição urbana e industrializado), parece que eles se sentiam enfim integralmente participantes do espírito animado e orgulhoso da conquista brasileira!

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As ruas vão sendo pintadas de verde e amarelo. Os carros recebem bandeiras sobre as capotas (inclusive o meu). As lojas vão sendo paramentadas para a festas. De vez em quando, já se ouve pelas ruas, o som de cornetas (que os sul-africanos rebatizaram de vuvuzela). De uma forma ou de outra, instalou-se entre nós o patriotismo adventício que nos acomete de quatro em quatro anos - ninguém reclama. Vamos nós, e nossa fantasia de pátria grande e escolhida dos deuses!

Não entendo muito de futebol. Mas, não me contenho, evidentemente nos meus pitacos nesse assunto palpitante. Comecemos:

Criticam Dunga por uma série de decisões diferentes - todas elas relacionadas com um único assunto: a convocação de jogadores. Por aí, já se vê que, agradar à totalidade dos brasileiros seria impossível, e que, de qualquer maneira, três boas seleções diferentes poderiam ser formadas para a disputa. Modéstia às favas.

Dizem uns que ele deixou craques indispensáveis de lado, caso de Ronaldinho. Outros, se deliciam em criticá-lo por levar à copa uma seleção de estrelas que estavam todas nubladas, ocupando os bancos de reserva de times europeus.

Minha discussão retrocede a um outro fato, a saber, como é que Dunga, cuja carreira se resumiu ao fato de ter sido um bom e eficiente jogador, malgrado o jogo feioso, chegou ao cargo de técnico da seleção canarinho. A resposta é muito simples, como se sabe: pelos mesmos canais pelos quais entraram Lazzaroni, Parreira e, outros. Ponto.

Como não sei o nome de dez jogadores que vestem o manto sagrado do Esporte Clube Corinthians, me sinto intimidado em discutir escalação de jogadores.

Dito isto, à parte a emocionada torcida, tomo uma posição bastante cômoda, em relação ao assunto: se a seleção de Dunga for vitoriosa, beleza. Se não for, problema dele e da CBF - porque, vai ser um barulho danado (e não vai ser de vuvulezas tocando).

A seleção brasileira já está em terras sul-africanas, em ritmo de concentração (o que significa uma penca de cartolas solteiros e farreando por lá, entrementes fingirem participar do esforço brasileiro) treinando e se entrosando.

Mas, até agora, nada de interessante veio de notícia**. Parece que há, no momento, um campeonato entre os jogadores do nosso escrete, para ver quem diz a pior besteira em relação à bola que vai ser utilizada na copa. Para mim, não passa de falta de assunto e, talvez, algum despreparo de muitos jogadores - isso de ficar na reserva por muito tempo, faz um mal danado, para a memória!...

Escolheram a África do Sul para sede da Copa e, eu não entendo bem porquê - dizem que tem há ver com a divulgação do futebol no continente africano ou algo assim. Que seja. E, que se cumpra tal propósito.

O certo é que o país não tem tradição nenhuma em futebol. E exceto pelo passado político e o chamativo turístico, o país não me entusiasma, pois, há não ser pela figura de umas poucas lideranças políticas e a história recente, nada mais há de interessante que recorde a África do Sul. Não me vem à memória, por exemplo, um nome de escritor, artista ou qualquer outro item que a destaque - nem que seja a culinária local... A única coisa que conheço, nesses termos, é o Hino do Congresso Nacional Africano (entidade política à qual pertenciam Steve Biko e Nelson Mandela), gravado por Djavan, no disco "Meu lado"*...

Mas, a alegria, a festa e, o entusiasmo dos sul-africanos com o certame pode mudar tudo e, dar um clima absolutamente diferente à disputa desta Copa do Mundo. Tomara!

Enquanto escrevo, me lembro que a seleção pentacampeã, representante da nação que se julga a mais "futebolística" no mundo***, até hoje não foi capaz de repetir o sucesso nas Olimpíadas, quando as nações se encontram para celebrar a paz, substituindo bombas e guerreiros pelo esporte e as estrelas do atletismo. Uma vergonha inaceitável, que, entretanto, não comove aos brasileiros, nem incomoda à direção da CBF.

Todo mundo já deve ter notado que os jornalistas e repórteres escalados para a cobertura do evento estão tirando leite de pedra.

Em todas as estações de TV, as notícias parecem as mesmas - visita à maior favela de Soweto, filmagem da meninada sorridente, num rachão no meio da rua, entrevistas de populares - onde não se poupa o exotismo, exibição da fauna selvagem sul-africana (com direito à patética cavalgadura de elefantes), e por aí, vai...

Para variar, a parcela de população branca do país parece estar sendo evitada como uma espécie de doença pelos profissionais da imprensa, a despeito de também fazerem parte da história, da cultura, da nação e do país.

Falando agora da tal de vuvuzela. Dizem que ela é invenção de um sul-africano. Então tá. Esse instrumento foi inventado por pré-humanos sob a inspiração do vento, ressoando nos tubos dos bambus cortados, (o homo sapiens) e, acompanha o homo sapiens, sapiens desde a pré-história -uma referência bíblica: o profeta Josué ordenou que os corneteiros de seu mítico exercito tocassem, enquanto as muralhas de Jericó vinham abaixo. Simples visita às fotos de torcidas de 20, 30 anos atrás no Google, também serve para desmentir a patente em questão. Eu, mesmo, tenho uma corneta verde e amarela guardada, que foi comprada durante a copa de 2002.

Em minha casa, quase tudo preparado: televisão LCD de 42", uniforme da seleção para a família toda (até calção com o brasão da CBF, para mim), panela para a pipoca, caixas de foguetes, cerveja, coca-cola e tudo o mais.

Na vizinhança, já ensaiam o clima do jogo, com o espocar de fogos de artifício esporádicos. Só as cadelas que nos fazem companhia tem objeções - Pandinha e Pandora detestam foguetes.

Prá frente, Brasiiilllll!!

*"...Nkosi sikelel' iAfrika

Maluphakanyisw' uphondo lwayo,

AYizwa imithandazo yethu,

Nkosi sikelela, thina lusapho lwayo."

** Nesse sentido, Maradona é a estrela do momento. Diz que se a Argentina vencer a copa, corre pelado na rua. Ninguém merece - exceto os portenhos. Falando nisso, me permitam a piada: os argentinos parecem desconfiar que a coisa não "cheira" bem!...

*** Que ilusão boba! Neste quesito, os europeus nos batem de longe. Lá, o futebol está permanente incluído nos orçamentos individuais...

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Em 03.06.2010 - 14:05h. O Brasil impôs 3x0 à seleção do Zimbabue, em Harare. Ficou de bom tamanho.

Na hora da foto com os juízes e capitães de time, Mwaruwari, da seleção local fez questão de posar com a flâmula da seleção brasileira entre as mãos. Não tem jeito - a emoção chega e os olhos se enchem d'água.

Até os 40 minutos do primeiro tempo, a seleção local jogou fez bonito, mantendo o domínio de seu campo, fazendo a defesa em linha, meio de campo mordendo e, o ataque tentando o gol. Não era para menos: o presidente da república (nada menos que o ditador Robert Mugabe) adentrou o gramado para cumprimentar as equipes!

A seleção brasileira deixou claramente evidenciada a falta de entrosamento. Daí, que os dois primeiros gols decorreram do talento individual dos jogadores. No segundo tempo, porém a coisa se equilibrou.

Cacá esteve sumidão no jogo e continua devendo em termos de atuação com a camisa da seleção. Robinho, por outro lado, procurou jogo, convenceu e, parece intuir que o negócio é mesmo com ele. Grafite, que entrou no fim do segundo tempo, errou praticamente todos os passes - bola adiantada demais. Nervoso, falta de treino ou hipnose?

Que venha o jogo de estreia e a Coreia do Norte!

Em 07.06.2010: No sábado, fiquei sabendo desse negócio do Brasil jogar contra a Tanzânia. Joguei "Tanzânia" e "futebol", no Google, pra ver o que acontecia. Escolhi o link da Wikipédia e fui ver. Nada. Só um link pra "Seleção Tanzaniana de Futebol". E aí, fiquei sabendo que ela é treinada por um brasileiro, que está no ranking das 100 melhores da FIFA e, que só conseguiu disputar uma "Copa das Nações Africanas", em... 1980.

Adversário mais molezinha, impossível! Veio o jogo em Dar er Salaam, capital do país. Muitos torcedores com a chance de ver um time e uma seleção de verdade jogando, ao vivo e em verde e amarelo. O Brasil deu de 5 x1. Ok.

O que me lembro de imediato, a Tanzânia? Deixe-me ver... nos velhos gibis do Tarzã (coleções Lança de Prata e Lança de Ouro) publicados pela Ebal, ela era, se não me engano, o lar dos guerreiros Waziris, cuja temeridade podia ser deduzida do primeiro quadrinho em que apareciam, traçado pelo lendário Joe Kubert - que também desenhou Sargent Rock.

A imagem do jogo estava bem embaçada - culpa de quem transmitiu, diz a Globo...

Novidade? Talvez, a velocidade e alguma noção de conjunto, com a entrada de dois reservas, Ramires e Daniel Alves. Nada mais.

Diz a imprensa nacional que Kaká continua "discreto" em campo - mas, os hipotéticos leitores vão concordar que esse não é exatamente o lugar para discrição. Robinho, todavia, já sentiu o drama e, vai ocupando mais espaço dentro do esquema de jogo, e, assumindo com sua irresistível simpatia e carisma, a liderança da seleção.

Será que estão programados outros jogos palpitantes iguais a estes antes da estreia na copa? Fala sério...

Pra não deixar passar batido: dias atrás, um jogador da seleção canarinho disse que prefere "jogar feio e ganhar a copa", do que jogar bonito e não conseguir nada, provavelmente telegrafando o pensamento do técnico da seleção. Mas, quero perguntar: e se acontecer o contrário - se a seleção brasileira jogar feio e nem se classificar para as finais? Hã? Hã?

Mas, como dizia o velho filósofo futebolista, "treino é treino, e jogo é jogo!". Ao que interessa, então: enfrentar a Coreia do Norte!

Em 09.06.2010 - Um jogador da seleção da Coréia do Norte (que é composta só de militares), Jong tao-Se, diz que tem fé do guerreiro e acredita no milagre de vencer o Brasil.

Mas... Isso de filosofia oriental, no caso do futebol, me lembra aquele lance da macumba: se valesse, o campeonato só acabava empatado.

Ponho mais fé na filosofia prática do filósofo Silas (um tipo estranho e mal-educado, só conhecido no interior do estado de Goiás, que vive sentado num trono de pedra encravado no topo de um morro): se os cabras não se cuidam, vão se lascar.

Brincadeira à parte, a declaração em questão serve para demonstrar a conta em que é levada o futebol numa Copa do Mundo, quando vale até mesmo a invocação de bravura heróica e favores dos deuses.

Em 10.06.2010, às 11:32h - A lesão do goleiro Júlio César ainda parece incomodar. Problema, mesmo para uma seleção pentacampeã.

Hoje é o dia da abertura da Copa - saindo do bairro rumo ao trabalho, ouço ao longe, foguetes estourando. O destaque da festa de abertura do evento gira em torno da presença de astros de música americana e latina, gente do quilate de Shakira e Black Eyed Peas - que, em minha opinião, tem a qualidade típica dos cantores e bandas lincadas no público pré-adolescente.

Até agora, nenhuma referência à presença de grupos locais, cuja musicalidade põe muita gente metida no chinelo.

E aí, me lembrei de Johnny Clegg, antropólogo e músico sul-africano que formou a banda Johnny Clegg and Savuca, lá pelos anos 80, cuja música tinha o objetivo de combater a política do Apartheid e promover a aproximação de povos e culturas, à parte, divulgar a música sul-africana. Não sei se ainda está atuando, mas, até pelo histórico e pela discografia consistente, mereceria se apresentar com destaque na festa de abertura do evento.

Também recordei do grupo vocal Lady Smith Black Mambazo, de um vocal emocionante, assentado nas tradições musicais tribais, que ficou conhecido mundialmente pela música "Homeless", incluída na trilha sonora da série televisiva americana "Raízes", um fenômemo de audiência e cultura, baseada num livro de Alex Haley, que foi ao ar nos EUA em 1977.

Vamos ver...

Às 16:40h - Tentei ver o espetáculo da abertura da Copa. Aí apareceram uns tipos vestidos de "Cavaleiros do Zodíaco" cantando no palco e, desisti.

O mais estranho do noticiário da Copa, até agora: Carlos Bilardo, um dirigente da Associação de Futebol Argentina - AFA, disse em uma entrevista à tv argentina que, faria sexo passivo com o marcador do gol que levasse a Argentina a ser novamente campeã do Mundo. Isso é que é gostar de futebol! Ou não, como diria o outro...

De qualquer forma, isso é lá com o portenho, e os atletas da seleção argentina, não é?

Beleza - tudo bem com Júlio César...

Em 11.06.2010 - Assisti ontem à noite, no canal Futura, um especial sobre o papel no futebol no movimento de desestabilização do regime do Apartheid, que começou no interior da África do Sul, chegou às Olimpíadas - com o impedimento da participação da equipe da África do Sul, em razão do veto à participação de atletas negros e, cujas ondas sísmicas chegaram até a Austrália e Nova Zelândia, onde, após o ingresso de grupos sociais locais no protesto contra a presença da vitoriosa (e branca) seleção de Rugbi - como parte da participação do movimento mundial contra o regime segregacionista sul-africano, australianos e neuzelandeses começaram a questionar o racismo entranhado em suas próprias nações.

No dia em que Nelson Mandela foi libertado, seu primeiro discurso foi feito no estádio onde ocorreu a festa de abertura da Copa sul-africana.

Diante de tais informações e simbologia, se entende um pouco mais do oda alegria e do orgulho dos sul-africanos com a realização da Copa do Mundo em seu país, aí entendida a cobrança recebida por Parreira, em relação à seleção sul-africana: "Make us proud!".

No jornal da noite, assisti a mais um trecho do show de abertura, com energética e rebolante Shakira cantando "Waka-Waka", acompanhada de um coro hiper animado. À sua direita, um membro do coro com a bandeira brasileira à mão. Oh, man!, how this make us proud!

O grupo vestido de "Cavaleiros do Zodíaco" de que falei era o Black Eyed Peas, que, me informa meu filho, é um dos campeões de execução em seu MP3.

A televisão que trouxemos para o trabalho não funciona - porque veio sem antena. Lá se vai a chance de ver o jogo da copa!...