...ENQUANTO A LUZ DA MANHÃ NÃO CHEGA...
Madrugada inteira acordado, e ainda assim sonho, penso nos planos que preciso executar com a máxima urgência. Eu sei que tem outras coisas que deveriam ser priorizadas, mas a vida está em primeiro lugar. Eu sei que você está alcançando voos cada vez mais altos, mas continuo com meus pés desenhando meu caminho pelo chão e talvez seja isso que esteja nos tornando tão distantes, mas é assim que me sinto feliz, com o tempo passando lentamente pelas minhas mãos. Você sempre reclama que se estilhaça demais quando cai e que acredita que eu esteja cansado de reunir pedaços que ficaram espalhados por todos os lugares. Eu não sei o que é cansaço além daquele do final do dia, onde o Sol já não ilumina o retorno pro conforto bagunçado que anda a rotina do lar. As lâmpadas acesas na sala vazia multiplica nossas sombras enquanto perambulamos madrugada adentro, eu em buca de um chá escuro de sabor amargo que faz parte das suas preferências enquanto você contabiliza contas que vai fazer num futuro próximo. O mundo lá fora parece um caos, gritos e buzinas se misturam a som de disparos, mas não se trata de nenhuma revolução, amanhã teremos mais do mesmo outra vez. Vou para a janela, olhar o código secreto das luzes que acendem e apagam em outros apartamentos, e além da moça que tem o cabelo entre as próprias mãos, Adriana Calcanhoto nos oferece companhia com uma canção diretamente do rádio do vizinho do apartamento abaixo (ou seria ao lado?). Ela diz que não gosta de bons modos, e eu talvez por influência me aproximo da pessoa com calculadora nas mãos, pego em suas mãos e a puxo para uma dança que se move pelo apartamento todo, enquanto a madrugada não acaba, o melhor a se fazer é amor.
(2001)
chuvasong@hotmail.com