O ÚLTIMO DIA


Vou ao espelho e pasmo. Meu rosto lindo de sempre enganar que pareço ter uns sessenta ou menos, mudou de uma noite para o dia.
Na face sob os olhos linhas se cruzam quadriculando a pele, tirando a expressão boa do olhar que normalmente é. Não condiz com o que está por trás desta imagem que só é de inteligência, lucidez, descobertas, interesses encantamento sentido pela expansão do amor por tudo, como se tempo não houvesse.
Coisa de um dia. Os braços macios que gostam de abraçar com carinho. Braços e olhos são linguagem explícita do amor e do tamanho ou qualidade da ternura sentida. Braços e olhos é linguagem também. Espero que estas transformações não afetem o meu carinho espontâneo característico. Que a descoberta do entendimento e da compreensão não deforme também o sentimento e a sua expressão que estão em franco desenvolvimento.
Mas chocada estou. Baqueada? Não sei. É um olhar. É saber ver.
Quem está preparado para a transformação? Acho que ninguém encara isto com bons olhos, é uma novidade que se instala sem ser convidada. Logo em hora de tanta evolução interior, de transformações na alma, de momento evolutivo com tantos e tais crescimentos... É um paradoxo. Não tem a ver com decadência e sim com um crescimento da compreensão do espírito. Nem com a realidade física.
Mudança na forma de olhar, ou seja, de entender questões novas, indesejadas. Alteração na paz conquistada é perturbadora. E há que se preparar para elas e aceitá-las. Não gostei. Não vou pensar nesta nova questão por agora. Só poetas explicam o inexplicável.

Desvio o olhar para lá fora da janela, meio vago. Que busco?
Começa o dia.
O encanto interior é maior que o exterior. E não é atoa que desvio para a janela e busco explicação. Isto é ato reflexo de vida, é involuntário.

Você já viu todo o seu encanto interior?
Às vezes parece tanto que você não acredita, tece dúvidas.

O sol não apareceu hoje. O dia não está colorido. Tudo se transforma. Não é dia de se olhar no espelho. É dia de se olhar pra dentro. Como explicar tanta cor e significados? Quanta riqueza dentro que não se manifesta...
Umas indagações, tantas. Quando se ouvem as vozes, eles dizem tão pouco. Não adianta procurar no outro e nem lá fora. Crer o que se é.


Só nós mesmos sabemos de nós. E pensamos que não sabemos e saímos à cata de entendimentos. Tudo é tão relativo. Custamos a perceber e aceitar que sabemos mais que o outro, que temos muito mais.