SABER DE COR - TÂNIA MENESES - BVIW

Sentadinha na velha cadeira, a pequena lousa na mão, com o giz desenhava uma paisagem onde havia mar, céu, nuvens, sol e pássaros. Uma casinha, uma estradinha, uns pintos ciscando e um pedaço de riacho onde passava um barquinho à vela. Todos os dias, pela manhã, desenhava, mas via tudo colorido. Apagava tudo quando ouvia a voz metálica da professora, colocava uns números formando uma pequena conta de adição. Detestava contas. Já fez a sua obrigação? Estou terminando, professora Lúcia. Rápido ou ficará sem o recreio amanhã.

Aula de Conhecimentos Gerais adorava. Mais ainda quando a professora falava de Roma, da Grécia e do Egito. Um dia sonhou ser Cleópatra e via-se no sonho passeando no Nilo naquele barco bonitão. Bonitão mesmo era o Marco Antônio, mas não era coisa que ela colocasse no sonho, reinava absoluta no rio egípcio.

Na manhã seguinte, viu Gustavo no canto do pátio, sentado em uma pedra que sobrara da reforma do grupo escolar. O que você tem? Guga levantou os olhos para ela. Eram verdes e, molhados pelas lágrimas, pareceram à menina a cor que na imaginação avistava em seu desenho de um rio. Todas as cores nele, a brisa também.

Não apareceu no outro dia. Na segunda-feira ele disse: eu estava triste porque a professora chamou meus pais para dizer que eu não sei fazer conta. Meus pais me batem quando acontece. Gosto de fazer poesia, contas eu odeio. Você apanhou? Sim. Vou contar um segredo. Ficaram pertinho e a menina sentiu passar a brisa do mar por seu rosto, tomou susto. Era a respiração de Guga.

Na última carteira da sala, a menina pegou a lousa e disse: Veja como se faz. Por quê? Porque você faz também e quando a professora chegar, você mostra. Esta eu sei de cor. Adão comeu a maçã e nunca mais o Paraíso foi o mesmo.

CRôNICA DE TÂNIA MENESES.

Marília L Paixão
Enviado por Marília L Paixão em 25/05/2010
Código do texto: T2278620
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