VIVER A VIDA...
Não costumo acompanhar novelas. Não por preconceito contra as mesmas, ou qualquer coisa desse tipo. Não, é que não gosto mesmo. Nem de assistir televisão, muito menos novelas. Mas, em minha casa todos assistem. Assim como assistiram ao último trabalho de Manoel Carlos, que, felizmente, teve seu último capítulo reprisado ontem. Digo felizmente e explico: a meu ver, há muito tempo não se via um enredo de novela tão chato, inconsistente e sem conteúdo, embora com a participação de atores renomados e de talento indiscutível. Não irei citar seus nomes aqui – até porque todos que assistiram à novela sabem do sofrível desempenho de alguns deles nesta trama.
A infame programação teve de tudo que é ruim: alcólatra ao volante, dirigindo pelas ruas do Rio de Janeiro numa velocidade totalmente irresponsável, colocando em risco sua vida e a dos outros, além de viver dando vexame o tempo todo e perdendo todos os trabalhos por culpa da irresponsabilidade e da bebida. Mulher que, após salvar a outra de morrer afogada, acha-se no direito de transar com o marido dela em sua própria cama (sem saber, no início, que era marido dela, mas quando soube continuou... rsrs) e ainda por cima criar todo um suspense ridículo sobre a possível paternidade do filho que estava esperando ser dele. É incrível como essa personagem ignorou toda e qualquer noção básica de princípios e de ética! E que, aliás, carrega consigo a filha vilã-mirim para atormentar a vida da personagem principal, dizendo a todo instante: “eu vi você beijando o moço bonito”...! E ainda ajudou a mãe a separar o casal de protagonistas! E o pior: nem foi por amor, já que a Dora confessou à Helena, num dos últimos capítulos, que se sentiu atraída sexualmente pelo Marcos, só isso! A coisa chegou a um ponto em que o autor foi notificado pelo Ministério Público do Trabalho (que já vinha monitorando o trabalho infantil nas novelas da Rede Globo, bem antes de Viver a Vida) sobre o papel da criança psicopata, ameaçadora e chantagista, ressaltando sua preocupação sobre a atuação da menina, lembrando-o dos males que tal atuação poderiam causar à formação da personalidade da atriz-mirim, pois uma criança de 8 anos de idade não sabe ainda separar a realidade da ficção. O autor, então, “se tocou” e passou a escrever cenas mais “lights” para a criança. Afff... quanta inutilidade, que imenso vazio de conteúdo! Manoel Carlos, com essa novela, prestou um grande desserviço, à nossa sociedade. Dessa vez definitivamente ele se superou! Aliás, vocês já viram alguma novela deste autor com foco na camada mais modesta da população? Opsss... deixa pra lá! Não quero fugir do assunto que me fez escrever essa crônica. Dizia eu que os atores eram bons, mas a novela era chata. Extremamente chata e desinteressante. Comentei sobre isso com algumas pessoas, e elas disseram: “Por que essa indignação toda? Tudo aquilo que se passa na novela é a mais pura realidade! A traição é revoltante, mas acontece todos os dias, a todo instante!” Mas, em minha opinião, as telenovelas são (ou deveriam ser) uma forma de entretenimento simples para as pessoas que gostam de ficar em casa, gostam de assistir televisão. Mas essa novelinha medíocre, vamos combinar, foi um verdadeiro crime praticado contra o gosto popular! As barbaridades que aconteceram na tal historinha não serviram, em minha opinião, de incentivo ou (bom) exemplo para ninguém! São realidades da vida? Sim, são! Mas, para ver essa realidade não é preciso acompanhar uma novela! Para ver e estar por dentro de todas aquelas coisas mostradas ali é só sentar na frente da TV todos os dias, a qualquer momento do dia ou da noite e assistir aos noticiários! Não é preciso nem esperar o horário nobre! Pra quê? Por quê? Será que é mais chique ver, em horário nobre, traficante morrendo baleado por quadrilha rival (até mesmo quando estava tentando viver uma vida honesta, longe do crime) na favela? Será que é mais chique ver o odiável preconceito estampado na cara e no papel de uma atriz de renome como a Nathália do Vale, em horário nobre? Será que em horário nobre e na Rede Globo de Televisão a traição fica mais bonita, mais aceitável? E o mau-caratismo da personagem Isabel? É nojento! Não, definitivamente não! Depois de um dia cansativo de trabalho e de um Jornal Nacional em que a televisão quase pinga sangue de tanta desgraça mostrada e o estômago se revira com tanta maldade, corrupção política e coisas do gênero, eu acho que tudo que o telespectador desejaria seria um programa relaxante, algo bem light que o fizesse esquecer um pouco as preocupações, algo divertido, talvez até despretencioso, mas divertido e relaxante! Não VIVER A HIPOCRISIA... digo, Viver Vida!
Mas, como dizem que a arte imita a vida e que tudo nessa vida tem o seu lado bom, Viver a Vida também teve o seu lado bom, reconheço. Seu único lado bom. E este foi magnanimamente representado pela atriz principal, que desempenhou o papel de uma tetraplégica. Ela nos deu exemplos incríveis de determinação, força, coragem e, acima de tudo, superação. Uma verdadeira guerreira, como todas as heroínas de novelas devem ser. Quem assistiu a trajetória da Luciana na novela, como ela começou na trama e como ela terminou, sabe bem o que estou falando. Esse sim, foi o maior prêmio do telespectador que perdeu seu tempo durante meses, todas as noites diante da TV acompanhando a insignificante história do mestre Manoel Carlos. Que, como todos os seres humanos, erra. E errou, em Viver a Vida. Mas, como uma pérola rara encontrada no meio do lixo, Luciana brilhou. E salvou a novela. E, como a novela foi escrita por Manoel Carlos... parabéns, Manoel Carlos! Luciana conseguiu nos mostrar a força, a garra de uma mulher determinada, que apesar de todos os obstáculos conseguiu atingir seus objetivos! Isso conforta, emociona, motiva! Isso é lindo, isso sim, deve ser mostrado em novelas, em mini-séries, em filmes, em todos os momentos e não apenas no horário nobre! Uma coisa que me marcou foi uma frase que ela disse, referindo-se ao nascimento dos filhos gêmeos: “hoje, tem tantas coisas mais importantes pra mim, antes de voltar a andar...”
Mas, ainda assim, penso que poderia ter sido diferente (sou uma chata mesmo!) se a protagonista fosse uma moça pobre, sem condições de adquirir as comodidades de um carro adaptado como o dela e uma cadeira de rodas moderna. E se ela tivesse que lutar por uma vaga numa clínica de reabilitação do governo...? Será...? Sei lá... “só sei que a vida tem sempre razão”, como diz a trilha sonora da paupérrima trama...