Marias Aparecidas
 
        Abriam o caderno de chamada e iam enumerando um por um os alunos. No primeiro dia falavam os nomes, mas assim que os decoravam, ligando-os as pessoas,  ficava mais fácil simplesmente chamar-nos pelos números que iam do um ao quarenta e tantos, pois assim eram as salas, repletas de alunos que tinham não só que ser ensinados, mas também controlados porque o controle faz parte da educação. 

          Assim era quando eu fui aluna e havia tantas Marias e entre as Marias tantas Aparecidas que era mais fácil chamá-las pelo sobrenome: eu bem me lembro das Marias Aparecidas do Curso Normal,no Colégio Nossa Senhora de Lourdes, onde estudei. Havia a Gomes, a Ribeiro, a Pereira, a Teixeira, a Giarola e a Novaes e até pode ser que alguma eu tenha esquecido, mas acho que não.

          Onde andarão tantas Marias Aparecidas que perderam o nome pelo sobrenome paterno? Pois posso dizer com segurança que andam quase todas por aqui e ainda as chamo assim. 

          A Gomes continua com o mesmo jeitinho meigo e nos encontramos cruzando pelas ruas e dizendo oi e sorrindo uma para outra. Com a Ribeiro, nossa amizade se estreitou depois que começamos a trabalhar, pois durante anos fomos professoras na mesma escola e até hoje temos o mesmo patrão. A Pereira foi minha companheira de cinema por anos e anos, íamos ao cine Brasil praticamente todos os dias, menos as segundas feiras porque o filme era repetido. Época de boa memória, quando eu era capaz de saber tudo sobre cada filme que assistia, do detalhe mais insignificante ao mais importante. Mas depois o cinema fechou e o que era bom se acabou. A Teixeira vi há alguns anos em um encontro de ex-alunos, mas pouco sei dela. Novaes, então, acho que nunca mais vi. E Giarola, irmã mais velha de todas nós, brava, bravíssima, ajudava os professores no controle da classe. Trabalhei com ela no Colégio de Lourdes e no Serviço Público Estadual, seríssima em questões de trabalho, desbocada no enfrentamento cara a cara, sempre foi guia e líder por onde passou. Seus olhos faiscantes emudeciam qualquer um.

          Lembrei-me delas hoje quando conversava com alguém sobre uma questão que acho muito interessante: nomes. Falamos sobre nomes de ricos e nomes de pobres e de quão é interessante a mudança que ocorre na moda dos nomes. Maria nunca foi nome de muita solidão, mas ainda é um campeão de denominação, mas as Aparecidas, que durante algum tempo se esconderam atrás de nomes mais modernos hoje estão completamente desaparecidas. Pois é isso: Aparecida é um nome desaparecido. Na minha geração ainda existiram muitas e na geração anterior a minha então era uma febre – Cida, Cidinha,Cidoca, Aparecidinha, tenho tia, tenho primas mais velhas do que eu, um pouco mais novas,  mas não conheço ninguém que hoje tenha menos de dez anos e tenha esse nome.

    Enquanto procurava assunto para a minha crônica de hoje e estando em maio, que é o mês de Maria, achei oportuno escrever sobre elas – as Marias Aparecidas, nome tipicamente brasileiro e que está desaparecendo, substituído por nomes principalmente estrangeiros e até esdrúxulos. A todas elas, a minha homenagem.