Judith
(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)
Judith, uma mulher de 45 anos, educada, bem vivida, desprendida, era sempre solicitada a auxiliar seus amigos quando o tema era “escrever”. A impressão que tinha era de que “nasceu escrevendo” ... adorava.
Numa sexta-feira à noite, Rafaela, uma amiga de anos, chegou à sua casa sem avisar (como entender uma mulher que chega à casa de outra mulher numa sexta-feira à noite sem avisar?). Mas Rafaela era uma grande amiga e possuia inúmeras qualidades, disso Judith não tinha a menor dúvida. Ela estava literalmente perdoada! Contudo, naquele momento, Judith lembrou-se de que, no meio de tantas qualidades, Rafaela tinha uma recaída no quesito “redação” ... e não deu outra: pediu e, por fim, implorou para que Judith escrevesse um artigo sobre o poder, que uma professora da faculdade havia passado como tarefa. Judith, num primeiro momento, recusou.
Estava prevista para cumprir vários compromissos no final de semana, mas, por fim, após o apelo da amiga, aceitou. Como sempre, Rafaela sorria-se de Judith, mas sempre à última hora. O prazo para entrega do artigo era na próxima segunda-feira ... e já eram 23h de sexta!
Judith, furiosa, colocou a amiga para fora de casa e aninhou-se junto ao computador. Alguma luz haveria de vir.
- Meu Deus! O que escrever sobre o tema? Algo tão forte, tão desejado por tantos?
Passaram-se quase duas horas e Judith continuava ali, em frente ao computador, com a cabeça em faíscas. Pensou nas várias situações em que esteve no poder, no quanto em determinadas pessoas ele corrompe, no quanto ele pode transformar multidões, etc. e tal. Mas nada saia de bom, nada!
A madrugada já surgia quando Judith decidiu transformar o poder em verbo (e se danasse a Rafaela que sempre solicitava auxílio no último minuto do segundo tempo). Seu pensamento fluiu ...
O artigo iniciou com a frase: “Como é bom poder viver ...” e foi conduzida de tal forma que Judith não dava conta de escrever, tamanha era a profusão de idéias sobre o assunto. Parou e pensou que Rafaela poderia ficar furiosa com o que estava escrito, mas, infelizmente, naquele momento, o sentido da palavra não importava. Transformado em verbo ficou muito melhor.
Escreveu, dentre tantas outras coisas, o quanto ...
... era bom poder caminhar, já que encontrou um ex-colega naquele dia que ficou paraplégico após um acidente;
... era bom poder enxergar, já que estava absurdamente assustada com as suas últimas visitas ao oftalmologista;
... era bom poder compartilhar o dia-a-dia com pessoas especiais;
... era bom poder alardear ao mundo que tinha amigos verdadeiros;
... era bom poder dançar, dançar, dançar ...
... era bom poder auxiliar os amigos na última hora, mesmo que de uma forma um pouco distante do esperado.
Ôpa!
Acabou dormindo em frente ao computador ...
O poder do sono foi mais forte! Foi muito mais forte do que o poder em si e os seus possíveis abusos, do quanto pode transformar uma sociedade, da força que exerce nos cidadãos para sobreviverem à inúmeras leis absurdamente infrutíferas.
(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)
(do livro “... aos 40!” – editado em 2007 - de Maria da Graça Zanini, Sílvia Bier, Sônia Bier e Rosalva Rocha)